A justiça do trabalho sempre teve a conotação histórica de defesa do hipossuficiente, no caso, os empregados, tendo em vista a discrepância de poder entre os obreiros e as empresas que os empregam, assim como a evolução histórica nacional desde os sombrios tempos da escravidão.
Neste aspecto a criação dos sindicatos de empregados fez fortalecer a mão de obra operaria, tendo no ente sindical a representação e o respaldo para negociação de melhores condições de trabalho e renda, aliada, ainda, a necessária fiscalização dos ambientes de trabalho, evitando-se abusos e precarização.
Com o fortalecimento do direito coletivo criou-se as normas especiais para determinadas categorias de empregados, criando-se direitos e garantias aos empregados participantes e toda a categoria de empregados, as chamas normas coletivas.
Dentre a normatização coletiva destaca-se a Convenção Coletiva de Trabalho que é celebrada entre sindicatos de empregados e o patronal gerando efeitos a todos os empregados e empresas daquele ramo de atividades e na base territorial de atuação dos sindicatos e o Acordo Coletivo de Trabalho, este, firmado entre o sindicato dos empregados e determinadas empresas cujo efeito jurídico é valido somente para aqueles empregados da empresa acordante.
Com a entrada em vigor da Reforma Trabalhista, Lei Federal 13.467/2017 ocorre uma mitigação deste protecionismo histórico com a chegada do principio de que o negociado se sobrepõe a norma, ou seja, a norma coletiva pode se sobrepor à norma escrita (Lei).
Neste aspecto a jurisprudência dividiu-se ao longo do tempo para discutir e examinar o que de fato poderia ser negociado ou não e, especialmente, se esta negociação poderia prevalecer em caso de antinomia das normas no tempo.
O que pode ou não ser objeto de negociação coletiva foi incluído nos artigos 611 e seguintes da CLT pela reforma legislativa ocorrida em 2017, contudo seu alcance e aplicação somente foram pacificados no ano de 2023 com a decisão do tema 1046 publicado pelo STF.
Este tema de repercussão geral imprimiu sobre o princípio do negociado sobre o legislado que é sim licita e constitucional as limitações e afastamento de direitos trabalhistas por intermédio de normas coletivas, independente de vantagens compensatórias. Ou seja, em regra a Corte Constitucional entendeu que tal premissa é verdadeira e podem as partes (empresas e sindicatos) celebrar acordos que afastem direitos trabalhistas , desde de que disponíveis.
Neste sentido a tese do TEMA 1046: São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis.
Com esta decisão de repercussão nacional e vinculante a responsabilidade dos Sindicatos, em especial aqueles de proteção aos empregados, deveras aumentou assim como o trabalho nas negociações coletivas, visto que prejuízos podem ocorrer a seus filiados e à classe trabalhadora, desta vez, chanceladas pelo próprio Poder Judiciário e Ministério do Trabalho e MPT (órgãos de fiscalização e arquivamento das normas coletivas) diante da citada decisão. Por isso, ainda mais se deu importância de se ter um sindicato forte e imparcial que dependa exclusivamente da classe trabalhadora em participar, cooperar e contribuir para que possa ter maior autonomia e imparcialidade.
Importante salientar que direitos considerados indisponíveis (cidadania, base salarial mínima, saúde e segurança no trabalho, identificação profissional, dispositivos antidiscriminatórios, entre outros) não podem ser objeto de negociação, sob pena de nulidade, cabendo destacar que o TST tem reformado diversas decisões de Tribunais Regionais que afastaram ou anularam clausulas coletivas que afastavam direitos disponíveis sem compensação, sobre o prisma do Tema 1046.
Concluímos que com o advento da interpretação disposta no Tema 1046 e por se tratar o direito de uma ciência humana em constante mutação, somente o tempo e as análises de casos concretos pelo Poder Judiciário poderão ampliar ou restringir o entendimento da Suprema Corte.
Roberto Monteverde. Vice-presidente da OAB TERESÓPOLIS. Sócio fundador do escritório MVM ADVOGADOS. Advogado especialista em Direito e Processo do Trabalho e consultor e procurador jurídico do Sindicato dos Rodoviários de Carga e Passageiros de Teresópolis e Guapimirim e Sindicato da Industria da Alimentação, Padaria e Confeitaria de Teresópolis e Magé.