Anderson Duarte
Dentro de nosso processo democrático e à luz do ordenamento jurídico brasileiro, um princípio em especial, dentre muitos existentes, se torna imprescindível para a proteção do cidadão e a preservação do chamado devido processo legal: o princípio da ampla defesa, que previsto na Constituição se torna obrigatório, sob pena de invalidação do processo administrativo disciplinar. Mas, aqui em Teresópolis, envolvendo a médica e vereadora Claudia Lauand, a coisa não foi bem assim, na verdade o judiciário precisou ser acionado para corrigir o desrespeito ao Estatuto da classe e também ao devido processo administrativo. Claudia, que voltou recentemente ao cargo legislativo, foi afastada de sua atividade como médica concursada do município, por possíveis incompatibilidades de horários e ausências nos locais de atendimento, entretanto, apenas foi comunicada da decisão da gestão, sem ser facultada a ela qualquer tipo de defesa ou contra argumentação. Decisão recente da Justiça, não só restabeleceu seus direitos como servidora, como também indicou multa diária aos cofres públicos em caso de descumprimento da medida.
Em entrevista ao Jornal Diário na TV, Dra. Claudia, em sua primeira aparição pública após o episódio das denúncias do ex-prefeito Mario Tricano, confirmou que nunca se absteve de prestar informações para o caso, muito menos prestou desserviço enquanto esteve sob esse processo administrativo. Para Cláudia, a medida pode ter caráter político, o que estaria prejudicando a prestação do serviço no município. “Tudo começou quando eu cobrei na Justiça uma verba que eu, como servidora sempre tive direito, uma gratificação dada na área da saúde e que a prefeitura nunca me pagou. Mesmo estando na vereança, mesmo conhecendo meu direito, ainda assim, demorei a cobrar esse meu direito, que ainda assim me era devido. Ganhei na Justiça esse valor, ou seja, o município foi condenado a me pagar, e depois disso acabou sendo iniciado esse processo contra minha pessoa. Na verdade é tão arbitrário que nunca fui chamada a me defender no processo administrativo, somente fui convocada a receber a ciência da medida, e depois daquilo já fui impedida de fazer meu trabalho”, lamenta Claudia.
Segundo a médica, apenas em seu atendimento no Posto de saúde da Várzea, eram cento e cinquenta atendimentos por mês, o que somados pelos meses que permaneceu impedida de trabalhar, denotam um impressionante universo de mais de mil pessoas sem o atendimento médico. “Eu não quero acreditar em manobras políticas com a saúde das pessoas, mas neste caso especificamente fico com muitas dúvidas com relação ao motivo para tal impacto. É muito estranho”, diz Claudia. A Constituição Federal de 88 prevê no seu art. 5, LV, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, ou seja, não há de se falar em respeito ao devido processo legal sem o devido exercício do contraditório e da ampla defesa com todos os seus aspectos.
O direito a defesa que em certa medida contém o contraditório, contém também em si a própria essência daquilo que é justo, sendo uma manifestação de outro princípio basilar da nossa Democracia, o da presunção de inocência, art. 5, LVII, da Constituição onde “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O inciso fala em sentença penal condenatória, todavia deve ser aplicado também aos processos administrativos que terminem em sanção ao acusado. Da acusação administrativa ou das decisões interlocutórias, no processo administrativo disciplinar, não podem advir consequências definitivas, compatíveis somente com decisões finais irrecorríveis.
“Durante um processo administrativo, além de me ser facultado o direito de me defender, eu deveria ter sido tratada como inocente, e somente poderia sofrer punição definitiva ao final do processo, e ainda assim quando não houvesse mais possibilidade de recurso. Os servidores concursados possuem algumas prerrogativas contidas em seu Estatuto da classe e que precisam ser respeitadas pelo gestor municipal, tais como ser tratado com respeito pelas autoridades, ter a ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas. Essas são prerrogativas implícitas no princípio constitucional da ampla defesa, que como vimos na decisão da Justiça, não me foi permitida”, explica e lamenta Claudia.