Anderson Duarte
De acordo com as nossas leis, na hora do recreio, nenhuma criança brasileira pode brincar de barriga vazia, na verdade, todas elas têm direito a uma refeição balanceada, elaborada por nutricionistas e que possa suprir as necessidades diárias do aluno. A merenda escolar de qualidade passou a ser exigida por lei e desde 2001 é necessário que os cardápios nas escolas também sejam elaborados por nutricionistas, que também são os profissionais responsáveis pela execução desta refeição. Mas será que todo esse esforço legislativo está sendo colocado em prática? Nossas crianças estão se alimentando melhor? A resposta em Teresópolis é simples: estamos muito pior hoje que num passado recente. Merenda escolar insuficiente para dar conta da demanda das escolas e com ingredientes pobres e de baixa qualidade de um lado e do outro um contrato milionário com uma empresa terceirizada que não se responsabiliza pela entrega de refeições descentes e fornece um desserviço aos munícipes. Esse é o retrato passado a nossa reportagem por diversos pais, alunos, profissionais merendeiras e até diretores de escolas que não aguentam ver crianças que só dispõe desta refeição em um dia inteiro, tendo que voltar para casa com a barriga ainda roncando, enquanto milhões de reais são pagos mensalmente por um serviço não prestado.
Merenda escolar insuficiente para dar conta da demanda das escolas e com ingredientes pobres e de baixa qualidade de um lado e do outro um contrato milionário com uma empresa terceirizada que não se responsabiliza pela entrega de refeições descentes e fornece um desserviço aos munícipes
Para muitos que interagiram com nossa reportagem ao longo da semana e encaminharam flagrantes de uma merenda pífia se comparada com o custo que representa mensalmente, o grande problema está na omissão por parte da secretaria de educação, que é quem pode e deve interferir caso o serviço contratado não seja entregue, e na verdade, manda seus representantes defenderem a atuação da referida empresa como sendo um préstimo de qualidade em nosso município. Ao longo do dia, inúmeras fotos chegaram com pratos com arroz, feijão e ovo, isso quando o ovo estava presente, visto que em muitos colégios nem isso tinha. O lanche então, segundo os relatos, desde o inicio do ano não muda, apenas suco e biscoito, sem leite, ou outro tipo de alimento mais indicado. Há pelo menos dez meses nossa redação solicita ao setor de comunicação da prefeitura autorização para gravar reportagem em algumas unidades educacionais do município mostrando aquilo que é oferecido no dia aos alunos, mas nunca fomos atendidos e sequer receber respostas aos pedidos. Tudo o que queríamos era a autorização da Educação para gravarmos em uma escola aleatória o que era oferecido no dia aos estudantes, mas a proposto parece ter incomodado mais do que motivado o sentimento de transparência.
O vereador Da Ponte recebeu uma destas denúncias encaminhadas a nossa reportagem e foi até a unidade escolar dentro da prerrogativa fiscalizatória do cargo que exerce e conseguiu fazer o que nós tentamos ao longo dos últimos dez meses sem sucesso. “Eu estou aqui no Colégio Nossa Senhora de Fátima, e aqui desde a semana passada a escola está sem receber os insumos da merenda escolar, carne aqui não se vê faz tempo. Eu só sei que ela está sendo paga, mas não está sendo entregue, nossas crianças não tem nada a ver com isso, nada! O cardápio aqui hoje foi de Cream cracker com suco de caju no lanche e arroz, feijão e ovo, apenas isso. Tem um tempo que eles não sabem o que é uma merenda de qualidade por aqui. Senhor Prefeito, eu não sei se o senhor estava viajando e não acompanhou o problema, mas já tá na hora de voltar para a realidade. Aqui a coisa tá feia e eu fiz questão de vir aqui pessoalmente presenciar o fato. Freezer vazio, prateleiras sem nada, não é isso que pagamos todo mês, num contrato milionário”, disse o vereador Da Ponte em vídeo postado em suas redes sociais e gravado na dispensa do Colégio Nossa Senhora de Fátima no bairro de mesmo nome.
Em seu site, único veiculo ainda a publicar releases da prefeitura, o governo se defendeu: “Em relação ao atraso ocorrido nesta terça-feira (4), na entrega de alguns gêneros alimentícios em determinadas escolas municipais, a Secretaria de Educação de Teresópolis esclarece: A empresa que presta serviço terceirizado da merenda escolar nas escolas da Rede Municipal de Ensino é responsável pelo transporte, e entrega, de todos os mantimentos usados na produção da alimentação escolar; Por conta de um contratempo com a frota da empresa, algumas escolas não receberam, a tempo, alguns ingredientes do cardápio diário para preparar a merenda dos alunos do 2º turno; Imediatamente, a Secretaria de Educação solicitou à empresa contratada que montasse uma força-tarefa para suprir as necessidades das escolas afetadas. Isso para que fosse servida aos alunos a merenda de acordo com o cardápio estipulado pelos nutricionistas e fiscalizados por supervisores da Rede Municipal de Ensino; Apesar do problema pontual na entrega de alimentos em algumas escolas, os alunos NÃO FICARAM SEM A MERENDA ESCOLAR; A Secretaria Municipal de Educação esclarece que a situação foi normalizada e que está atenta para quaisquer problemas em relação à qualidade da merenda e que tem como prioridade resolver, com agilidade, qualquer tipo de reclamação recebida a este respeito”, diz o texto da assessoria, que como vimos, continua tratando a questão como um problema pontual, algo que não se sustenta se contrapormos com os inúmeros relatos recebidos por nossa reportagem apontando para a recorrência do péssimo serviço desde o início do ano pelo menos.
– População atende a chamado da reportagem e envia material com merenda fraca
Ao longo desta terça e quarta-feira recebemos pelas redes sociais relatos que acompanham o serviço nas unidades escolares, e em meio a muita revolta recebemos milhares de relatos apontando para a recorrência do problema, sobretudo com relação aos itens faltosos nos pratos dos alunos. “Bom dia! Gostaria de fazer uma denuncia. Sou agente de creche e estamos indignados com a merenda das crianças. Esta foto é o que estão servindo desde o início do ano. Hoje só teve arroz e feijão e foi encaminhado apenas um quilo de cada para ser feito para quase cem crianças. Os pais não estão sabendo e nós estamos sofrendo com esta situação”; “Com relação ao lanche da tarde, não tem leite, pão, nada. Apenas suco de caju e biscoito. Estão literalmente tirando comida da boca das crianças para enriquecerem mais ainda e isso ocorre desde o início das aulas. Obrigado pela reportagem e tomara que a população fique sabendo e lute pelas nossas crianças”; “Sou agente de creche e trabalho o dia inteiro. Acompanho a merenda em todas as vezes que é servida. A comida não é variada e faltam sempre frutas e sobremesa. Todos os dias o lanche é o mesmo e o valor nutricional muito baixo e as crianças estão saturadas do mesmo todos os dias”, diz uma participante.
Dos milhares de depoimentos, selecionamos alguns que mostram como o problema não é novo como diz a nota oficial da assessoria do prefeito: “Hoje foram dois dedos de suco de caju que também misteriosamente muda de cor todos os dias. É só esse biscoito de maisena duro todo dia. Antes eram servidos achocolatado, biscoito recheado, pão com requeijão, pão com manteiga, cereal, salada de frutas, geleia de mocotó, agora falta até papel higiênico”; “Não sei que nutricionista faz a escolha dos alimentos, mas é muito mal feita. E estamos passando por um momento de caos merenda, ela está sendo camuflada, isso é fraude. A coisa tá muito ruim e só melhora um pouco quando são feitas reclamações, mas logo depois volta ao caos”; “Esse lanche que mandei a foto é o que bebezinhos a partir de seis meses estão comendo na creche. Não tem nem mingau para os bebês”; “A minha filha estuda no bairro do Meudon, e ontem só teve macarrão com feijão. Queria saber o que estão fazendo com nossas crianças? Isso é um absurdo!”, diz.
As participações mais registadas foram de pessoas que, ou trabalham, ou já trabalharam com as empresas terceirizadas e sabem como os mecanismos de desvio de dinheiro público e corrupção acabam encontrando neste tipo de contrato fértil solo para proliferação. “Na época que trabalhei de merendeira as nutricionistas mediam a comida e não podia repetir biscoito, ou seja, eram só três com aquele suco de caju sem açúcar. E em pouca quantidade que não dava nada direito nem para as crianças. Por isso pedir pra sair, tinha e tenho muita pena das crianças, já que alguns só iam para a escola para merendar, porque em casa não tinha o que comer! Meu coração dói quando vejo isso”; “Falta uma carne, uma salada, uma batatinha gostosa, um repolho refogado, um ovo frito. Meu Deus, que maldade. Quem tinha que almoçar arroz e feijão é a pessoa que fez isso com as crianças”; “Isso é um pecado, tirar comida do prato dos mais pobres, queria ver se fosse os filhos deles, os pais precisam denunciar, estão roubando desviando fazendo qualquer coisa menos alimentando crianças. Tenho pena do dia do juízo desses políticos safados”, diz o participante da reportagem.
Ao longo desta terça e quarta-feira recebemos pelas redes sociais relatos que acompanham o serviço nas unidades escolares, e em meio a muita revolta recebemos milhares de relatos apontando para a recorrência do problema, sobretudo com relação aos itens faltosos nos pratos dos alunos