Anderson Duarte
Se tem uma coisa que a iniciativa privada valoriza no âmbito administrativo são as metas, aliás, elas norteiam muitas decisões e guiam as empresas, que sempre visam o lucro e a capacidade competitiva destas no mercado. Mas o que não se pode transportar para as relações administrativas públicas de todo esse contexto de foco e metas estabelecidas e a ausência da importância social dos atos e decisões de um gestor público. Será que a população precisa de determinadas metas sendo cumpridas no dia-a-dia da prefeitura? Gerar mais arrecadação hoje impacta na prestação do serviço de qualidade, ou representa mais despesas para os já penalizados e fragilizados trabalhadores de uma cidade sem nenhuma política pública de geração de emprego e renda em curso? Consultar a população sobre essas necessidades deveria ser ato primário na tentativa de promoção de alguns deles, sem falar dos mecanismos de fiscalização e auditoria já instituídos por Lei. Mas agora, depois de uma decisão do Tribunal de Justiça de nosso estado, fica autorizado o Executivo a promover as concorrências para a exploração de serviços públicos sem prévia deliberação do Legislativo e a qualquer momento.
Essa ausência de consulta pública, aliás, tem deixado o governo Claussen em dissonância com o discurso que defendeu enquanto era candidato. Aumentou o custo da conta de energia elétrica ao se promover mudanças nos critérios de cobrança da taxa de iluminação pública, diminuiu os benefícios para o pagamento antecipado do IPTU, refez toda a tabela de custas dos processos administrativos da prefeitura e agora pode ser também o responsável pelo considerável aumento nas contas de água de quase 80% dos teresopolitanos. E tudo isso sem uma audiência pública sequer, nenhum tipo de aval das entidades sociais e agora sem sequer passar pela apreciação da Câmara de Vereadores. Apesar de não ser o autor da proposição, Claussen sempre defendeu essas terceirizações como necessárias, discurso em sintonia com a atuação do ex-prefeito Mario Tricano. A modificação se deu depois que os Desembargadores do TJ, por unanimidade, julgaram procedente a Representação, para declarar a inconstitucionalidade do § 6º, do artigo 99, da Lei Orgânica do Município de Teresópolis, introduzido pela Emenda nº 005/2017.
Diz o dispositivo considerado inconstitucional pelos desembargadores: “ART. 99 – A permissão de serviços públicos a título precário será outorgada por decreto do Prefeito, após edital de chamamento de interessados para escolha do melhor pretendente, sendo que a concessão só será feita com autorização legislativa, mediante contrato, precedido de concorrência pública (…) § 6º – Os editais de licitação para concessão, privatização ou terceirização que trata este artigo deverão ser analisados pela Câmara Municipal e ter sua efetiva autorização”, diz o texto em vigência. Segundo os julgadores, esse dispositivo, efetivamente, faz com que o Poder Legislativo avance sobre área de gestão da administração pública, reservada exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo.
Diz parte do relatório: “Neste tocante, é imperioso ressaltar que, prestigiando a separação constitucional dos Poderes da República, compete ao Poder Executivo a função primária de exercer atos de administração, cabendo ao Legislativo o mister de elaborar atos normativos de caráter geral. Deste modo, quando, a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem, na prática, a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais. Este é justamente o caso dos autos. Não se desconhece que a própria sistemática constitucional, em prestígio ao sistema de “freios e contrapesos”, estabelece exceções à separação dos poderes. Todavia, impende salientar que a forma de controle de um Poder sobre o outro, à luz do sistema acima referido, deve limitar-se ao modelo traçado na Lei Maior, no caso, a Constituição do Estado do Rio de Janeiro, especialmente nos artigos 99, VIII; 101 e 123, I, aplicáveis aos Municípios por força do disposto no já mencionado artigo 345, VIII, sendo vedado o desbordo, ainda que lastreado em legislação infraconstitucional, pena de caracterizar ingerência e ofensa ao decantado Princípio da Separação dos Poderes”, explica.
O que pouca gente lembra, e olha que nem faz tanto tempo assim, é que essa mudança na Lei Orgânica, combatida hoje no Tribunal, advém da crise entre Executivo e Legislativo que culminou na prisão de seis vereadores depois que gravações que davam a entender que os edis pressionavam o Chefe do Executivo por cargos e benesses. Essa mudança se deu depois que o chamado “Pacote de Terceirizações” lançado e defendido pelo à época recém-empossado Mario Tricano como a solução para a crise financeira do município fora aprovado. Os projetos permitiriam a terceirização de serviços de água e saneamento básico, estacionamento rotativo, administração de nove cemitérios e iluminação pública e chegou a ser aprovado pelos vereadores, com apenas um voto contra, do vereador Maurício Lopes, que alegou na época que as mudanças não foram discutidas com a sociedade civil. A principal impactada seria a CEDAE, estabelecida como a concessionada na cidade há 27 anos e responsável pelo abastecimento de água para 75% da população e que estaria ameaçada pela chegada de uma nova empresa aos moldes do que se tem implantado em municípios vizinhos como Nova Friburgo e Petrópolis, onde as contas de água experimentaram astronômicas elevações.
Transporte coletivo, saneamento, habitação, tecnologia, saúde e educação básica, entre outras áreas poderiam vir a ser objeto da participação do capital privado em sintonia com as necessidades da população e a Administração Pública Municipal. O Programa Municipal de Parcerias Público-Privadas trazia em seu bojo, algumas diretrizes de implantação, entre elas, a eficiência no cumprimento de suas finalidades, ou seja, ela precisa estimular a sustentabilidade econômica de cada empreendimento, garantindo que o empresário vá romper com a parceira e deixar a população desguarnecida. Outro ponto crucial das PPP é a total transparência dos procedimentos e das decisões, algo que contrasta com as primeiras ações do Governo. A responsabilidade fiscal também precisa estar presenta na celebração e execução dos contratos, bem como a responsabilidade social e ambiental, que no nosso município é ainda mais emergente.