Anderson Duarte
O recente caso da autorização dada através de decreto para a utilização do ginásio do Pedrão para um show do cantor Lulu Santos sem a devida apreciação por parte dos edis para tal provocou muitas reações pelas redes sociais, escritórios de advocacia, mas principalmente na própria Casa Legislativa. Em seu decreto, o prefeito alega que a Câmara de Vereadores estaria em recesso, e por conta disso não teria sido enviado a mesma o contrato de cessão do espaço público. Acontece que, mesmo em recesso de início de ano, o legislativo dispõe de sua Comissão de Recesso, formada pelo Presidente da Mesa Diretora, Pedro Gil e os companheiros de plenário Tenente Jaime e Dudu do Resgate, mais os vereadores Leleco e Dr. Amorim. Como ganhou muita importância e rumores de processos, ações civis públicas e outras medidas começaram a despontar, a defesa do prefeito, imediatamente iniciou uma ação de inconstitucionalidade da Lei Orgânica de nosso município para reverter essa exigência que vigora desde 1990, quando a Lei Orgânica Municipal foi aprovada. Segundo a competente assessoria do Executivo, essa é uma atribuição apenas do próprio, não sendo necessário passar pelo Legislativo tais relações entre o Poder Público e particulares.
Independente do resultado da ação, que tramita desde esta segunda-feira, 28, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro com pedido de medida cautelar, o prefeito Vinícius Claussen deve responder ainda por questionamentos legais em relação ao caso, ainda que uma das ações pretendidas na ação seja o reconhecimento de efeito ‘ex-tunc’, ou seja, retroativo, em clara resposta ao problema levantado pela cessão via decreto, como denunciado na edição do último sábado pela coluna Wanderley, no jornal O DIÁRIO. O pedido questiona a constitucionalidade de dois dispositivos de nossa legislação municipal, o Artigo 61, que diz que: “Compete ao Prefeito, entre outras atribuições:… VIII – permitir ou autorizar o uso de bens municipais, por terceiros, ouvida a Câmara Municipal”; e o Artigo 96, que expressa: “O uso de bens do Município, por terceiros, só poderá ser concretizado, mediante cessão de uso, concessão ou permissão a título precário e por tempo determinado, conforme autorização do legislativo”, diz nossa lei.
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Diz a justificativa do decreto publicado no Diário Oficial desta terça-feira, 29: “CONSIDERANDO que possui a prerrogativa de determinar a não aplicação de leis que considere manifestamente inconstitucionais, nos auspícios do art. 23, inciso I c/c art. 84 incisos VI e XXVII ambos da Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988; CONSIDERANDO a decisão do Supremo Tribunal Federal — STF na ADI MC n° 221 /DF de 20/03/1990. que autoriza o exercício da prerrogativa de não aplicação de leis que o Executivo considere manifestamente inconstitucionais; CONSIDERANDO a decisão do Superior Tribunal de Justiça — STJ nos autos do Resp. n° 23121/GO de 08/11/1993, que entendeu ser dever do Poder Executivo negar a execução de lei que lhe pareça inconstitucional; CONSIDERANDO a mais excelsa doutrina carreada pelo Ministro Luís Roberto Barroso, pelo Professor J. J. Gomes Canotilho, pelo Procurador do Estado Gustavo Binembom e outros, que defende o direito a negar a execução de norma manifestamente inconstitucional: CONSIDERANDO o Parecer n° 01/2011 da Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro. no sentido de permitir a não execução de norma que o Poder Executivo entenda como inconstitucional; CONSIDERANDO os mencionados artigos ferem o art. 2° da Constituição da República Federativa do Brasil e o art. 7° da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que dispõem sobre o principio fundamental da independência e harmonia dos poderes: CONSIDERANDO que foi distribuída ação de Representação de Inconstitucionalidade, autuada sob o número de processo 0003499-26.2019.8.19.000. atacando os artigos mencionados na epígrafe, DECRETA: Art. 1° Todos os Órgãos da Administração Pública Municipal, direta e indireta, devem deixar de executar a norma contida no inciso VIII do art. 61 e no art. 96. ambos da Lei Orgânica Municipal. Art. 2° Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação”.
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Segundo nossa legislação, algumas hipóteses em que particulares podem usufruir privativamente de certo bem público mediante remuneração são admitidas. De acordo com a norma legal, todos os bens públicos devem ser utilizados para o seu fim último como regra geral, assim como os bens de uso especial devem ser utilizados para desenvolver a finalidade para a qual se destinam. Seria mais ou menos como se uma escola só devesse ser utilizada para a prestação de serviço educacional, afinal de contas, ela foi construída com recursos públicos apenas para esta finalidade. Assim, de acordo com a lógica da lei, se as atividades desenvolvidas nesses bens são exatamente aquelas para as quais eles existem, e atendendo assim à população, não existe necessidade de autorização para a utilização desses bens pelos particulares. Entretanto, quando essa finalidade é diferente de seu gênesis, nosso legislador encontrou na figura do instituto da “autorização de uso de bem público” uma saída para esse imbróglio.