Marcello Medeiros
Criado em 30 de novembro de 1939, portanto prestes a completar 80 anos de história, o Parque Nacional da Serra dos Órgãos é muito lembrado pelas maravilhas que protege nos municípios de Teresópolis, Petrópolis, Magé e Guapimirim, como o Dedo de Deus – entre tantos outros exemplos. Mas a importância do PARNASO vai muito além da beleza cênica que tem sua continuidade garantida dentro dos limites federais. Ele é fundamental para a manutenção da biodiversidade de fauna e flora e, consequentemente, da qualidade de vida de toda a população, principalmente para aqueles que residem no seu entorno. E nos 20.040 hectares protegidos por ele, muitas pesquisas foram ou estão sendo realizadas, número tão expressivo que fez com que ela fosse eleita a unidade de conservação com maior demanda espontânea de trabalhos científicos entre as 2.233 áreas protegidas dentro dos mesmos moldes em todo o país.
“Acabou de sair um levantamento dos últimos 11 anos de pesquisas nas unidades federais e o PARNASO figura como unidade que tem mais pesquisas e atividades didáticas na história do ICMBio. Esse resultado mostra a importância da posição que o parque se encontra geograficamente, próximo das grandes universidades no Rio, São Paulo e Minas Gerais. Já são quase 80 anos em uma gestão que favorece que as pesquisas venham a ocorrer aqui, pois temos estrutura, temos equipe de apoio, na medida do possível, então de diversas formas temos estimulado que pesquisas aconteçam e que tem dado um resultado muito positivo para a gente”, explica o Analista Ambiental Jorge Nascimento, o Julião, Coordenador de Pesquisa, Monitoramento e Manejo do PARNASO.
A tradição e o investimento em pesquisa têm feito muita gente procurar a Serra dos Órgãos para iniciar sua vida acadêmica e as pesquisas científicas realizadas na unidade de conservação ambiental acabam gerando diversos outros projetos, além de contribuir logicamente para que se entenda a importância de conhecer melhor as diversas formas de vida e a Mata Atlântica, um bioma tão rico – mas inexplicavelmente tão vilipendiado por aqueles que dependem dele para sobreviver e que, dessa forma, deveriam ajudar a conserva-lo.
Nossa rica flora
Entre os muitos trabalhos na área de botânica, destaque para o do Biólogo Luís Fernando Gonçalves. Graduado pelo Centro Universitário Serra dos Órgãos, o UNIFESO, Fernando acaba de concluir Mestrado pela Escola Nacional de Botânica Tropical (ENBT) e Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), tendo realizado extensa pesquisa sobre Myrtaceae, uma família botânica que compreende 130 gêneros e cerca de três mil espécies, muito desses existentes em nossa região. A nomenclatura da família pode parecer difícil, mas basta exemplificar alguns nomes populares para compreender o valor dessas plantas frutíferas: Araçá (Psidium cattleianum), Goiabeira (Psidium guajava), Jabuticaba (Myrciaria cauliflora) e Pitanga-vermelha (Eugenia uniflora L), entre tantos mais. “Nesse trabalho de mestrado estudei a diversidade da família Myrtaceae na Serra dos Órgãos, realizando um levantamento, uma espécie de check-list, sobre as espécies que encontramos no parque. Esse levantamento foi feito pelas cotas de altitude, pelas fitofisionomias, pelas cotas de altitudes. Encontramos várias respostas ecológicas importantes, sobre qual maior ocorrência de acordo com a fitofisionomia, sendo a maior diversidade na área onde está a sede do parque. Essa é uma família muito numerosa e se consegue encontrar muita coisa nova, mesmo com tanta coleta, nessa riqueza que é a Mata Atlântica”, relata.
Montanhista e conhecedor de locais de difícil acesso da unidade de conservação ambiental, Fernando também destaca a importância de espécies encontradas nos campos de altitude, nos pontos mais altos e consequentemente diferentes do que se encontra na parte baixa e mais visitada da unidade. “Temos aqui muitas espécies raras, endêmicas (que só ocorrem em um lugar) dos campos de altitude ou exclusivas da Serra dos Órgãos, como a Prepusa hookeriana”, destaca.
Um novo mundo
Também estudante do curso de Ciências Biológicas do UNIFESO, o jovem Ricardo Mello é estagiário no PARNASO e teve seu trabalho eleito com o quarto melhor entre os bolsistas do PIBIC – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica, financiado pelo CNPq, realizados em unidades geridas pelo ICMBio. A pesquisa teve início após grande deslocamento de pedras da montanha conhecida como Nariz do Frade, deslizamento que causou grande perda de biomassa e mudou drasticamente uma área conhecida como Rancho Frio, afetando inclusive o rio Paquequer pouco abaixo da sua nascente.
A ideia era estudar o estrago causado pelo movimento natural acontecido em fevereiro do ano passado e as diversas mudanças na grande clareira. Clima, curso da água, espécies de fauna flora… Tudo ficou ou passaria a nascer de forma diferente após o deslizamento de pedras e terra. “É um movimento natural de áreas montanhosas, um dos principais fenômenos modificadores de superfície terrestre, dos domínios montanhosos tropicais, abrindo enorme clareira que chegou até três hectares de áreas. Fizemos um levantamento da flora que começou a recuperar essa área, já que esse estudo de sucessão ecológica ainda é pouco conhecido, pouco estudado. Também fizemos monitoramento fauna que começava a cruzar o local e conseguimos fotografar e filmar uma família de cerca de 20 indivíduos de Muriqui do Sul e gatos silvestres de vários tamanhos, entre outros dados muito interessantes”, conta Ricardo.
Destaque no país
Em muitas vezes, os trabalhos iniciados na Serra dos Órgãos ganham projeção em outras unidades de conservação ambiental, como é o caso de artigo produzido pena Analista Ambiental Isabella Deiss, uma das responsáveis pela Coordenação de Educação Ambiental e Participação Social do PARNASO, eleito o melhor trabalho de pesquisa do Brasil entre os servidores do ICMBio. Através de gráficos, Bella tem contribuído para facilitar a interpretação de dados coletados em parques, reservas, APAs e outros ambientes protegidos onde, às vezes, a comunidade que auxilia nas pesquisas tem dificuldade de compreender o que é pesquisado e apresentado através de textos técnicos. “Buscamos justamente essa mudança de paradigma, de começar a perceber que a gente pode levar instrumentos para trabalhar com essa diferença de poder que existe e dar voz para quem precisa de voz e dar voz para quem tem voz também. É um trabalho de mudança de paradigma e une a pesquisa uma vez que se pode trabalhar com divulgação científica, educação ambiental e participação social, com as pessoas se imbuindo e se vendo nas coisas feitas no parque”, conta.
Participação da comunidade
Ainda na busca pelo envolvimento das comunidades nos trabalhos realizados no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, vale destacar as pesquisas realizadas no entorno da unidade de conservação. “Essa união é sem duvida bastante benéfica para o parque e espero que também seja para as comunidades. Temos um projeto chamado pesquisa-ação que busca se transformar dados em ações efetivas nos bairros. Começamos por uma fase exploratória, conversando com moradores sobre problemas ambientais dos bairros. Esses problemas são estudados junto com moradores e junto com moradores a gente pensa em soluções, como aconteceu no Jardim Serrano e Quebra-Frascos. Havia deficiência muito grande de saneamento básico, de esgoto a céu aberto. Nós estudamos situação junto com moradores, levamos algumas informações e hoje a associação está buscando solução de tratamento de esgoto de pequena monta, que custe barato e seja fácil de realizar e com o envolvimento direto do cidadão. Esse trabalho foi realizado em parceria com estudantes do curso de Engenharia Ambiental do UNIFESO e, com um aluno do curso de Biologia da mesma instituição, fizemos nesse bairro um trabalho de etnoecologia, tentando compreender como acontece a interação das comunidades com a fauna do entorno”, detalha Marcus Gomes, que também trabalha na Coordenação de Educação Ambiental e Participação Social do PARNASO.
O Parque Nacional da Serra dos Órgãos abriga mais de 2.800 espécies de plantas catalogadas pela ciência, 462 espécies de aves, 105 de mamíferos, 103 de anfíbios e 83 de répteis, incluindo 130 animais ameaçados de extinção e muitas espécies endêmicas (que só ocorrem neste local). Na página www.icmbio.gov.br/parnaso é possível acessar diversos trabalhos científicos realizados nos últimos anos.