Anderson Duarte
Antes de tentarmos entender porque uma prefeitura dispensa um processo licitatório é preciso esclarecer qual a sua importância para a administração pública. A licitação é o instrumento fundamental na preservação e consolidação de ao menos dois princípios balizadores da atuação desta gestão, a igualdade de todos perante a possibilidade de participação no processo e também a eficiência do uso do dinheiro público evitando com isso, o desperdício e proporcionando economia. Esses são apenas dois elementares benefícios da licitação, fatores que fazem dela a regra, que infelizmente ainda guarda muitas exceções, como no caso mostrado ontem, 25, aqui em O DIÁRIO. Depois da veiculação de nossa reportagem que mostra a possível “antecipação” de um processo de dispensa na aquisição de combustíveis, a prefeitura, através de nota encaminhada pela assessoria de comunicação, alega ter sido a referida “compra” ilustrada pelas notas anexas a reportagem uma “doação de pessoa física”. O nome de um dos maiores empresários da cidade foi citado pela gestão como sendo o responsável por esse pagamento, mesmo esse nome não constando em nenhuma das notas veiculadas aqui e pelas redes sociais.
A doação de bens por particulares à administração pública realizada com o intuito de contribuir para o aprimoramento dos serviços prestados à coletividade, é atitude louvável, que atende ao interesse público. Com certeza ninguém veria impedimento qualquer no processo de doação de uma ambulância ou de outro equipamento a um hospital público, ou de mobiliário a uma escola pública carente de recursos básicos. Obedecendo aos trâmites específicos da doação, e eles existem sim, a ajuda da comunidade, vinda de pessoas físicas ou jurídicas, deve ser bem recebida e até incentivada pela administração pública moderna. O problema está justamente quando uma empresa, ou empresário, que faz a doação de bens e até serviços ao órgão ou entidade pública tem como responsável por fiscalizar as suas atividades o órgão ou entidade pública beneficiado com a ação. Neste caso, a doação não deveria em hipótese alguma ser admitida, já que coloca em risco a necessária isenção com que o órgão deve atuar.
Talvez com essa preocupação, a nota da prefeitura fala em doação de “pessoa física” e não empresa, já que concidentemente, ou não, o posto escolhido pelo empresário para concretizar a doação foi o mesmo que se beneficiaria com a Dispensa de Licitação em questão. Ou seja, com tantos postos, diversos preços, escolheu o referido empresário a mesma empresa escolhida para fornecer. Diz a Secretaria de Administração que não existe nenhuma outra Dispensa de Licitação em favor do referido posto de gasolina e que não houve aquisição antes da assinatura da referida dispensa. Segundo o autor da nota, por sua conta e risco que “não há ligação entre a dispensa de licitação e o abastecimento de carro da prefeitura neste posto, o que houve foi uma doação de combustível através de pessoa física”, diz. Apesar da certeza traduzida pela assessoria de comunicação, não há elementos de convencimento suficientes para separar efetivamente uma coisa da outra. Por exemplo: Por que a nota está no nome da prefeitura e não da pessoa que doou? Esse dinheiro foi entregue em espécie para a prefeitura? Quantos litros compõem essa doação? Quanto custou? Ou seja, muitas lacunas para tanta certeza em uma nota de duas linhas sem autoria.
A possibilidade de recebimento, por agente público, de bem ou vantagem proveniente de quem tenha interesse ou possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente de suas atribuições é vedada pela Lei nº 8.429, de 1992, que estabelece sanções pela prática de atos de improbidade administrativa, também conhecida como Lei de Improbidade. Não há como não reconhecer que nessas circunstâncias e com tantas inconstâncias, o recebimento deste tipo de doação pela administração pública pode gerar constrangimento para a atuação da autoridade e de servidores públicos que por ventura venham a ser incumbidos do exercício do poder de polícia em nome do Estado.
"Há mais de um mês, quando diversos setores da administração municipal já acusavam a falta do combustível, O DIÁRIO quis saber da prefeitura os motivos do cancelamento da compra. Sem respostas do governo, ficou parecendo que o problema de desabastecimento tinha sido sanado. Mas, não. A prefeitura não providenciou novo pregão, e quando nada se sabia sobre quem estaria fornecendo o combustível sabidamente em falta nos tanques da prefeitura desde meados do mês de setembro, cópias de notas de fornecimento de combustível para as viaturas oficiais por um posto de combustíveis da cidade reacenderam o assunto. A partir da publicação do ato oficial de Dispensa de Licitação para a aquisição de combustíveis no referido posto onde as notas estavam sendo emitidas ascendeu indícios de uma possível irregularidade legítima. Embora complexo, o procedimento administrativo para a realização de um pregão é corriqueiro, mas, dando exemplo de incompetência que permeia a administração em diversos setores, a providência da licitação arrasta-se há dois meses, sem sucesso", informou ontem O DIÁRIO.