Anderson Duarte
A novela de amor e ódio envolvendo a gestão Mario Tricano e a atual legislatura da Câmara de Vereadores já teve muitos capítulos determinantes apesar do relativo pouco tempo de convivência. Um deles, considerado um braço-de-ferro entre os poderes, já registrou autorização e desautorização das permissões de negociações por parte da prefeitura para contratar empresas para cuidar de quatro grandes áreas importantes do município: iluminação pública, estacionamento rotativo, saneamento básico e gestão de cemitérios. Mas, sem nenhum tipo de alarde de ambos os lados, foi concedida liminar por parte do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro ao prefeito para celebrar tais contratações, mesmo que sem o aval do legislativo municipal. Segundo o desembargador Heleno Ribeiro Pereira Nunes, a exigência de apreciação por parte dos edis é inconstitucional, portanto, Tricano e seus companheiros por seguir com o processo de venda dos serviços municipais. A câmara recorreu e perdeu no TJRJ.
Em um primeiro momento, antes das denúncias do prefeito Mario Tricano contra os edis, as propostas foram enviadas pelo governo e votadas em regime de urgência em sessão extraordinária, tendo apenas o vereador Maurício Lopes votando contra as quatro propostas, enquanto os demais vereadores presentes foram favoráveis. Na época, tal celeridade chegou a ser questionada, mas fora justificada em apoio aos projetos, enfatizando que é a rigor o mesmo que havia acontecido no governo federal e em outras cidades. Antes da briga com o prefeito, os parlamentares entendiam que as Parcerias Público-Privadas, seriam instrumentos importantes para o poder público contratar uma empresa, através de um processo de licitação, para que possa explorar determinado serviço, retirando os custos dos cofres do município. Houve falas que afirmavam ainda que o processo tem várias etapas a serem cumpridas para que a contratação não venha a trazer prejuízos ao município. Mas tudo mudou, e a Câmara desautorizou através de votação em plenário as autorizações dadas na sessão fatídica.
Quanto ao saneamento básico, e sua consequente autorização de exploração, o projeto do Executivo não previa discussão ou contribuição popular no processo. Em 2015, a ONU emitiu declaração universal considerando o saneamento básico como um direito humano, entretanto, a privatização do saneamento básico, ou seja, a sua transferência da gestão pública para as empresas de mercado, ignora essa dimensão, sobretudo pela complexidade do conceito. Segundo a legislação federal, pode ser conceituado como Saneamento Básico: a distribuição de água tratada; a coleta e disposição de resíduos; a drenagem do solo e o esgotamento sanitário. Segundo a ONU, esses serviços, conjuntamente garantidos e aplicados pelo Estado, ampliam os direitos dos cidadãos garantindo qualidade de vida. A promoção de saneamento básico evita os riscos de epidemias, a água que se bebe é potável, o lixo é corretamente compostado ou reciclado, a drenagem é bem-feita, e o esgoto não corre a céu aberto. E o grande problema das privatizações está no fato destes serviços públicos, que deveriam ser direitos garantidos da população, somente serem usufruídos mediante pagamento, assim, somente terão acesso ao serviço, os cidadãos que pagarem por ele.
Segundo o Desembargador, na interferência da Câmara ao desautorizar as concessões, houve “… aparente vício de iniciativa, uma vez que, como cediço, compete ao Chefe do Poder Executivo dispor sobre a organização e funcionamento da administração municipal. Aí está o fumus boni iuris, diante da aparente ofensa ao disposto no artigo 145, VI, ‘a’, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, com a qual a Lei Orgânica dos Municípios deve guardar simetria; O controle externo efetivado pelo Poder Legislativo Municipal deve se dar na forma dos artigos 99, VIII; 101; 123, I; e artigo 345, VIII, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro; Já o periculum in mora diz com a possibilidade de criação de entraves à administração municipal, dificultando a gestão da urbe, uma vez que, a cada liberação de editais para as contratações do Município, será necessária a análise da Câmara Municipal e sua efetiva autorização, culminando com o atraso no atendimento das carências dos munícipes”, diz parte da decisão.
“Tal dispositivo determina que os editais de licitação para concessão, privatização ou terceirização de que tratam o caput do aludido artigo de lei deverão ser analisados pela Câmara Municipal e ter a sua efetiva autorização. Afirma o Representante, em síntese, que a nova redação da Lei Orgânica está eivada de vício de inconstitucionalidade formal e material. A uma, porque constitui competência privativa da União a edição de normas gerais sobre licitação, não sendo possível ao legislador municipal criar requisito geral não previsto na Constituição Federal. A duas, porque a nova redação viola a competência privativa do Chefe do Poder Executivo para iniciar o processo legislativo em matéria de Administração Pública e serviços públicos. A três, porque da leitura do diploma impugnado extrai-se violação ao Princípio da Separação dos Poderes (artigo 60, 4º, III, da CF/88 e artigo 7º da Constituição do Estado do Rio de Janeiro). Requer a concessão de medida cautelar para a suspensão da eficácia da norma impugnada (§ 6º, do artigo 99, da Lei Orgânica do Município de Teresópolis)… Por tais fundamentos, voto no sentido de se deferir a medida cautelar pleiteada para suspender, com efeitos ex nunc, a eficácia do § 6º, do artigo 99, da Lei Orgânica do Município de Teresópolis, com a redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 005/2017. Comunique-se esta decisão aos interessados”, finaliza a decisão.