Anderson Duarte
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, por meio da 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo Teresópolis, instaurou inquérito para apurar possível ato de improbidade administrativa pelo prefeito afastado de Teresópolis, Mário de Oliveira Tricano. A investigação apura possível renúncia ilegal de receita do IPTU devido pelo Hotel Jecava, que pertence a Tricano. Também é investigada possível violação aos princípios da moralidade administrativa e da impessoalidade. O MPRJ considera que é preciso apurar com profundidade os fatos veiculados pela imprensa local, de que o Hotel Jecava teria sido liberado do pagamento de IPTU no período entre 2013 a 2017, num valor de R$ 407 mil.
O texto de instauração do inquérito cita que a concessão de benefício de natureza tributária deve acompanhar a estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, além de atender ao disposto na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Ressalta que a possibilidade do benefício também deve atender a pelo menos uma das seguintes condições: demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da Lei Orçamentária e não afetará as metas de resultados fiscais; ou estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição (conforme os incisos I e II do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal).
Ainda de acordo com a portaria de instauração, o conceito de renúncia de receita, para a Lei de Responsabilidade Fiscal, compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado (art. 14, parágrafo 1o, in fine, da Lei Complementar 101). O MP destaca que os fatos trazidos pela imprensa local, caso confirmados, são graves pois violam diversos princípios da administração pública, além de gerar potencial prejuízo ao erário (caso se confirme a ilegalidade de renúncia da receita). Os fatos podem apontar, descreve o inquérito, para uma gestão fiscal divorciada do equilíbrio financeiro e da eficiência, duas diretrizes acolhidas pela Constituição da República e pela LRF. Além das reportagens veiculadas, a investigação irá avaliar estudo do TCE a respeito do desempenho do município, bem como os autos de outro inquérito recentemente instaurado sobre omissão na arrecadação de tributos em Teresópolis.
Interferência do prefeito na cobrança de IPTU de suas inúmeras propriedades em pauta
E pensar que tudo começou com uma propaganda, no mínimo, despropositada e fora de contexto, que pedia aos contribuintes teresopolitanos que acertassem seus tributos e impostos municipais para que a gestão pudesse equilibrar as contas do município. Sua principal mensagem era: cumpra com o seu dever de pagar! Com o funcionalismo público em atraso com os seus salários e a cidade imersa em inédita crise estrutural, as reações contrárias e revoltadas foram imediatas e as redes sociais colecionaram xingamentos e desabafos de uma população que tem certeza que a gestão Tricano nunca fez a sua parte enquanto gestora. Assim, com esse clima, começaram a surgir indagações do tipo: será que o prefeito paga os seus impostos em dia? Afinal são inúmeras as suas posses. E não demoraram a aparecer exemplos desta desproporção entre discurso e prática, sendo o mais grave de todos, um espelho de IPTU de uma propriedade da família Tricano, que possui mais de três mil metros quadrados e cujo valor cobrado pelos cofres públicos foi de apenas R$ 60. A revolta rapidamente se alastrou pelas redes e acabou no Legislativo municipal que iniciou investigação em todas as propriedades do político, como disse a época o vereador Maurício Lopes: “As suspeitas são muitas e hoje acabei me surpreendendo com o espelho de um carnê de IPTU, referente ao ano de 2017 da propriedade que abriga a Igreja Metodista Central, aliás, igreja esta que o prefeito Mario Tricano fez questão de escorraçar depois que sua empresa Jecava comprou em leilão a preço de banana, mas que consta no espaço dedicado ao valor deste imposto a singela quantia de cerca de sessenta reais. Meus senhores, são mais de três mil metros quadrados de propriedade, e agora que pertence ao prefeito tem esse valor ridículo sendo cobrado. Só gostaria de saber onde está a moral deste homem? Para quem não sabe, o prefeito deve perto de um milhão de reais aos cofres públicos de nosso município referentes a uma condenação por ter reajustado o seu próprio salário e do seu vice a época de forma desproporcional e descabida. E não paga o município neste tempo todo, mas ao mesmo tempo ostenta este carnê que é um afronta ao teresopolitano de sessenta reais por uma propriedade das mais caras do centro da cidade. Com esse homem é tudo assim, dois pesos duas medidas. O prefeito que tinha a obrigação de zelar pela aplicação correta do dinheiro público e pelo aumento da arrecadação, está agindo justamente ao contrário, ou seja, está deixando de arrecadar aquilo que manda a lei, e não quero crer que isto esteja acontecendo com a anuência de secretários ou funcionários de confiança indicados por ele. É no mínimo uma situação imoral!”
Além da situação relacionada ao débito do político no caso da condenação na Justiça, e que segue em aberto, e também com relação ao imóvel da Igreja Metodista Central, outro fato envolvendo imóveis e cobrança de impostos municipais chamou a atenção inclusive do MP. Através da sua empresa Hotel Jecava, grande e valorizada propriedade na zona rural do município, a abastada família deu entrada na Secretaria de Fazenda com um pedido de anulação do IPTU referente aos anos de 2013 a 2017 do móvel que abrigou no passado a Casa de Saúde Nossa Senhora de Fátima, prédio esse que adquiriu em 2011 “por um bom preço” e que mantém fechado por opção pessoal desde então. E como foi que o fato veio a público? Justamente a indignação de servidores públicos que tiveram acesso ao caso pode ter sido a responsável pela publicidade da manobra que seguia às escondidas, como boa parte das atitudes de governo de Tricano e sua turma.
O documento interno da PMT, reproduzido por nossa reportagem, mostrava o requerimento alegando que, tecnicamente, o prédio no final da Avenida Lúcio Meira ainda estaria de posse do município. “Faculdade conferida a proprietário pelo Código Civil em seu artigo 1228 de usar, gozar e dispor da coisa, revela que ele tem o direito pleno sobre ela, cuja prerrogativa é de explorá-la em seu proveito próprio. O imóvel em comento quando arrematado em hasta pública no ano de 2011 se encontrava, e ainda se encontra, em posse do Município de Teresópolis. Não é razoável exigir-se do proprietário o pagamento do IPTU quando ele não tem a possibilidade de usar, gozar e dispor da sua propriedade. O proprietário sequer imitido de posse não pode ser compelido a pagar o tributo quando o próprio ente tributante aproveita da sua propriedade, usando e gozando gratuita e ilegalmente do bem, o que é um absurdo”, diz o texto.