Luiz Bandeira
Iniciativa inédita no país na área de segurança pública, o “Programa de Proteção à Liberdade Religiosa Cel. PM Jorge da Silva” foi lançado na manhã da última quarta-feira, 02, pela Secretaria de Estado de Polícia Militar, em evento realizado no Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), na capital do estado. A ideia inicial surgiu um outubro de 2021, aqui em Teresópolis, em forma de reação da religiosa Mãe Lilian de Ogum, que relatou ter, por várias vezes, sofrido violência e preconceito religioso, inclusivo tendo um centro de Umbanda que mantinha no bairro Tijuca incendiado. “Esse projeto surgiu através de uma dor da terceira vez que eu havia sofrido um ato de preconceito religioso quando eu falei, ‘Chega, tenho que fazer alguma coisa’. Usando como parâmetro a ‘Patrulha Maria da Penha’, eu criei o projeto de proteção à diversidade religiosa”, explica Mãe Lilian. O Comandante do 30º batalhão, Coronel Alex Soliva, em encontro ecumênico promovido na Casa de Cultura, com a intenção de unir lideranças religiosas pelo combate ao preconceito, atestou a motivação que deu origem ao projeto. “A ocorrência de três casos de ofensa religiosa registrados em Teresópolis contra a mesma instituição nos chamou a atenção para enfrentar esse desafio. Essa preocupação sensibilizou o comando da corporação e hoje estamos lançando mais uma iniciativa inovadora da Polícia Militar”, disse Coronel Soliva na ocasião do lançamento do projeto-piloto, em dezembro de 2021.
Concebido por Lilian Duarte de forma integrada com 30º BPM, o projeto foi apresentado ao Coronel Cláudio Costa de Oliveira, Comandante do 7º Comando de Policiamento de Área que, após análise técnica e de viabilidade, o encaminhou ao Estado Maior Geral da corporação. A partir daí o Secretário de Estado de Polícia Militar, Coronel Luiz Henrique, instituiu o Programa de Proteção à Liberdade Religiosa Cel. PM Jorge da Silva e ao batizar o novo programa com o nome do Coronel Jorge, o comando da corporação presta uma justa homenagem a um dos oficiais responsáveis por levar a democracia para dentro das polícias militares estaduais, ainda durante o regime militar e um precursor da defesa ao direito da liberdade religiosa.
Participaram da reunião, oficiais da Polícia Militar designados para coordenar o novo programa, equipe do Instituto de Segurança Pública (ISP) e representantes de diferentes segmentos religiosos. “O novo programa será desenvolvido para capacitar nossa tropa a atender melhor ocorrências ligadas à intolerância religiosa. Precisamos aprender a lidar de forma profissional com essas questões que dão origens a outras atividades delituosas. Cada cidadão tem o direito de seguir a orientação religiosa que quiser e todos devem respeitar”, pontuou o coronel Luiz Henrique Marinho Pires, secretário da SEPM, no início do encontro.
Teresópolis é referência
Presente na reunião de lançamento, o comandante do 30º BPM, Coronel Alex Marchito Soliva, será o responsável pela condução do projeto-piloto que, em linhas gerais, norteará a conduta das demais unidades da corporação ainda neste primeiro semestre. Mãe Lilian de Ogum explica como o programa foi concebido. “Ele foi baseado em um estudo excelente feito pelo Subcomandante do 30º BPM, Major Marcelo, aonde é identificado todas as vertentes religiosas que já sofreram preconceito. Baseado nisso a gente está trazendo a patrulha para defender a todos. A gente tem um estudo de causa primeiro pra depois a gente poder combater, pra saber que não vai ficar impune”, detalha a religiosa.
Na primeira fase, o novo programa será implantado na área sob responsabilidade do 30º BPM e, a partir de análises de desempenho e ajustes, passará a ser operado em todo estado. Os policiais militares que atuarão no programa passarão por treinamento específico, capacitando-os para o atendimento especializado, assim como aconteceu com as equipes de outros programas de polícia de proximidade.
Subnotificação é prejudicial
De acordo com a presidente do ISP, Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, delegada Marcela Ortiz, a intolerância religiosa está prevista no Código Penal, mas, por falta de conhecimento, não é reconhecida pela sociedade como um crime muito grave. “Essa falta de conhecimento acaba contribuindo para a subnotificação dos casos e, consequentemente, prejudica a nossa capacidade de enfrentar o problema. Muitos crimes graves, como homicídios, têm origem na intolerância religiosa. A iniciativa da Polícia Militar, trabalhando de forma especializada, vai contribuir muito para mudar esse cenário”, disse a delegada Marcela Ortiz.
Apesar da subnotificação e da falta de detalhamento nos registros de ocorrências que possam ser motivados por intolerância religiosa, é possível observar, nos últimos anos, o aumento da quantidade de ocorrências de diversos tipos de crimes contra a liberdade de cada cidadão optar por uma crença. No ano passado, o Estado do Rio de Janeiro teve 33 registros de ocorrências de ultraje a cultos religiosos em 2021, segundo o ISP. Na comparação com 2020, o delito apresentou um aumento de mais de 43%. Essa tipificação criminal é determinada pela ridicularização pública, impedimento ou perturbação de cerimônia religiosa. No total, as delegacias da Secretaria de Polícia Civil fizeram 1.564 registros de ocorrência de crimes que podem estar relacionados à intolerância religiosa no ano de 2021, ou seja, mais de quatro casos por dia. Neste número estão incluídos os casos de injúria por preconceito (1.365 vítimas); e preconceito de raça, cor, religião, etnia e procedência nacional (166).
Direito constitucional
Importante frisar que a liberdade religiosa é garantida pelos Direitos Humanos e pela Constituição Cidadã de 1988. Essas liberdades de crenças e convicção compõem o direito à liberdade e estão asseguradas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), pela Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto San José da Costa Rica) e pela Constituição Federal do Brasil: Art. 5º, inciso VI – “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva; VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”.