Mochileiro – Marcello Medeiros
Durante toda a Transpirenaica vi muitos lugares bonitos, vários pontos importantes cultural e cenicamente em regiões distintas, mesmo tão próximas. Mas, ainda assim, aguardava ansiosamente pelo vigésimo dia de pedal. A antepenúltima, ou última etapa, dependendo das circunstâncias, seria de um reencontro. Em Roncesvalles, Espanha, a Transpirenaica cruza com uma rota mundialmente conhecida, o Caminho Francês de Santiago de Compostela. Quem me conhece ou me acompanha há mais de três anos sabe que, em maio de 2019, tive a felicidade de concluir esse mágico trajeto. E, quem me conhece de verdade, sabe que o Caminho é um divisor de águas na minha vida.
É por causa dele que ainda estou por aqui. Graças a essa experiência inesquecível ainda estou buscando me encontrar nesse plano que vivemos. Por isso essa etapa era tão esperada. Sonhei com o dia que tocaria mais uma vez na icônica placa indicando que faltam 790 km para a catedral, que me hospedaria no Real Colegiata novamente, e achei até que cairiam mais algumas lágrimas. Mas não. A felicidade de estar ali foi tão grande que sobrepôs a emoção. Cheguei cedo, pude ver detalhes que passaram batidos pelo ansioso Marcello de três anos antes e vivenciei um jantar peregrino mais uma vez. Quanta realização para um dia só.
Como cheguei
Havia me hospedado anteriormente em Ochagavia, percorrendo cerca de 50 quilômetros até Roncesvalles, sendo o trecho final através da Selva de Irati e passando ainda pela antiga fábrica de munições de Orbaizeta.
Seguindo em frente
No dia seguinte, acho que fui um dos últimos, se não o último, a sair do albergue Real Colegiata. Queria aproveitar ao máximo mais essa oportunidade de estar nesse lugar histórico e tão importante culturalmente. Além disso, não tinha pressa nenhuma em sair cedo, pois sabia que a etapa seria bem curta. Curta, mas, mais uma vez, muito especial. Fiz o primeiro trecho do Caminho Francês de Santiago ao contrário, de Roncesvalles a Saint Jean Pied de Port, visto que tal rota pode ser inclusa na Transpirenaica e eu poderia fazer o que não deu em 2019, curtir os Pirineus.
Ansioso e preocupado em não conseguir cama na parada seguinte, na ocasião passei batido em tão rico trecho. Mas dessa vez não, foi de metro em metro e não contando quilômetros, como na anterior. Relembrei, comparei e revivi cada pedacinho na agora minha despedida dos campos de altitude dos Pirineus. Foi especial demais. Acho que demorei mais do que para subir em 2019 – mesmo sendo, no sentido França, mais descida do que subida. Mas não tinha pressa nenhuma. Fiz foto, contemplei, fiquei rindo igual a um bobo o tempo todo.
Quase no final da descida, parei no refúgio Orisson e fiquei mais um longo tempo, lanchando e contemplando. Ao chegar a Saint Jean mais uma vez, quanta diferença do Marcello que “estreava” em terras europeias. Sorridente, realizado e muito feliz pela oportunidade de poder percorrer as estreitas ruas de “la cidadela” novamente. Nesse passeio, encontrei três brasileiros que começariam o caminho no dia seguinte, Alexandre, Angela e Claudete, de Porto Alegre. Conversamos por um tempo e percebi neles o mesmo brilho nos olhos que tive em 2019. Desejei que eles tivessem um “buen camino” e, através das redes sociais, nas semanas seguintes acompanhei cada etapa da viagem deles.
O reencontro com o mar
Outro ponto interessante desse reencontro é uma grande diferença da Transpirenaica para o Caminho de Santiago: se em toda a rota dos Pirineus encontrei apenas outras duas pessoas em curso, na jacobeia foram dezenas seguindo no sentido inverso ao meu. Na próxima semana publico o último capítulo dessa jornada, o reencontro com o mar após 22 dias pedalando pelas montanhas pirenaicas. O projeto “Teresópolis na Transpirenaica” tem o apoio da Trilhas e Rumos, Cycle São Cristóvão, Dafel, jornal O Diário e Diário TV.
Acervo Mochileiro – Marcello Medeiros