MOCHILEIRO – Marcello Medeiros
O núcleo Salinas do Parque Estadual dos Três Picos é considerado a meca da escalada brasileira, com dezenas de opções de vias e visuais cobiçados por escaladores de todo o país e até do exterior. Em boa parte delas, grande dificuldade técnica e longa exposição quando se fala em proteção. São muitos desafios que, por vezes, fazem com que alguns atletas tenham receio de enfrenta-los ou, ainda, optem em treinar bastante antes de partir para Nova Friburgo. De modo geral, para a grande maioria, tamanha complexidade permite que se escale apenas uma via por dia. A Leste, no Pico Maior, por exemplo, é um desses casos. Mesmo as montanhas acessadas por caminhada, elas não costumam ser fáceis. Diante disso tudo, já imaginou pisar em oito cumes em pouco mais de 12 horas? Parece impossível, mas não é. Na última temporada de montanha, o escalador friburguense Amarildo Chermont, com mais de 30 anos de parede, realizou esse feito e entrou para a história dessa bonita e desafiadora região.
Foram conquistados de uma só vez os picos Menor (2.310 metros de altitude) e Médio (2.361m), esses vencidos através de caminhada e lances de escalaminhada, o imponente Pico Maior (Justamente pela via Leste, fazendo 700 metros solo), a chaminé José Cândido (25 metros solo), o Capacete (escalada pela via Sérgio Jacob, com 150 metros solo), a Caixinha de Fósforos, a Cabeça de Dragão (via caminhada) e o Morro do Gato, onde realizou escalada solo de 130 metros para alcançar o cume.
Chermont conta que desafio dos oito cumes surgiu em conversa com o amigo Leandro Baltazar Japão, que inicialmente seria seu parceiro no projeto. A companhia não rolou devido à pandemia, mas o friburguense manteve sua rotina de treinos, com várias vindas e idas aos Três Picos, até chegar o grande dia – 14 de setembro de 2022. O despertar ocorreu às 3h40 e, depois de um café da manhã reforçado, às 4h30 Amarildo partiu em direção aos primeiros dois cumes. Foi leve, levando apenas o básico, água e lanche. Às 7h25, já estava bem longe: na base da face Leste do Picor Maior, onde geralmente se conclui a escalada entre cinco e sete horas. Amarildo chegou ao cume uma 1h25 depois de iniciar a subida… Em seguida, o desafio da chaminé José Cândido, que tem poucas repetições e um trecho inicial bem estranho para uma escalada solo.
Às 11h25, outro cume que já havia sido conquistado, o Capacete. A seguir, a Caixinha de Fósforos. Já no período da tarde, alcançou o topo da Cabeça de Dragão. “Dei uma passada na sede do Parque Estadual dos Três Picos onde tive um apoio dos amigos Rodrigo Freitas e Waguinho. Comi uma batata com carne de porco que deu uma energia incrível. Parti em direção o cume. Às 14h20 atingi o cume. Desci toda trilha passei na sede peguei meus equipamentos que lá tinha deixado e parti em direção a República Três Picos. Chegando à República fui recepcionado pela minha eterna mãe de montanha, Rose Mascarim, que lá tava feliz em ver que faltava pouco para completar o tão sonhado desafio”, conta Amarildo.
Inicialmente, Chermont iria para a Pedra da Mariana, mas seguindo conselho da Rose optou pela escalada solo no Morro do Gato. “Ela me acompanhou até a porteira do Vale do Jaborandi. Foi incrível tê-la comigo ali, me deu muita força e lá fui eu. Cheguei à base do Bode da Tarde coloquei minha sapatilha furada velhinha e parti para o tão sonhado cume final, Morro do Gato. Às 15h48 atingi o último cume. Chorei, pulei, e chorei mais… Na verdade em todos os cumes e trilhas. Energia boa desse lugar que eu amo”, enfatiza o escalador, que ao retornar para república foi recepcionado por outras lendas da região, como Alexandre Portela, Sérgio Tartari e Paulo Mascarim. “Não posso deixar de agradecer também aos meus amigos de montanha Daniel Miller, Kiko, Marquinho, Rennan e Paula, Carlos Casado, que me deram o maior apoio psicológico, além de agradecer a minha namorada Juliana Mello por sempre me apoiar e incentivar, assim como minhas amigas de vida e montanhas Malu Rodina e Elis Heringe”, destaca.
Tempo de estrada e próximo desafio
Amarildo escala desde muito jovem. Tem 46 anos e 31 de montanha. Atualmente trabalha como alpinista industrial e guia de escalada em rocha não só em Salinas, mas conduzindo gente de todo o mundo em montanhas de outras regiões, oferecendo ainda curso de escalada em rocha e escaladas móveis. O próximo desafio já está em mente, com a ideia de colocar em prática em 2023: agora Chermont quer aumentar esse número para 10 cumes no mesmo período de tempo, incluindo nesse roteiro a Pedra da Mariana e o Ronca Pedra, esse último mais longínquo e pouco visitado.