Lembrando que a controvérsia sobre a necessidade de autorização legislativa – inexistente no caso, conforme decisão do STF – já foram enfrentadas nos autos que versam sobre o tema, e “tendo o artigo 9º, I, da Lei Federal n. 11.445/2007 e o artigo 23, I, do Decreto Federal n. 7.217/2010 chancelado a legalidade da instituição do PMSB por decreto”, o Ministério Público opinou ao juízo da Terceira Vara Cível pela CONCESSÃO da segurança pleiteada” pelo Município de Teresópolis, visando a realizacao da licitação da água, marcada em edital para a próxima segunda-feira, dia 31 de julho.
Segue o parecer do MP:
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO vem perante o Juízo, em atenção ao despacho contido no index. 68254827, manifestar-se nos seguintes termos. ALEGAÇÕES DO IMPETRANTE O Município de Teresópolis impetrou Mandado de Segurança com pedido liminar em face de ato praticado pela Câmara Municipal de Teresópolis que, por meio do Decreto Legislativo n. 002/2023, que sustou os efeitos do Decreto Municipal n. 4.735/2016 e do Decreto Municipal n. 5.045/2018 que instituíram o Plano Municipal de Saneamento Básico de Teresópolis, e por meio do Decreto Legislativo n. 003/2023, que sustou os efeitos do Edital de Concorrência Pública n. 002/2023, que visa à realização de processo licitatório no dia 31/07/2023 para a concessão do serviço público de abastecimento e água e coleta e tratamento de esgoto sanitário. O impetrante argui que o Poder Legislativo municipal extrapolou sua competência constitucional (artigo 49 da Constituição Federal – por simetria) e os limites dos poderes que lhe foram atribuídos pelo Regimento Interno da Casa Legislativa, por meio do artigo 47, V, do Regimento Interno. Afirma ainda que o autor do requerimento legislativo feriu o que dispõe o artigo 9º, I, da Lei Federal n. 11.445/2007, se utilizando da justificativa teratológica de que o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) deve ser instituído por lei e não por decreto, conforme se fez. Acrescenta que o item 7.4 das diretrizes do Ministério das Cidades para a produção dos planos de saneamento faculta a sua instituição por decreto ou por lei, não havendo, portanto, qualquer irregularidade nos decretos sustados pelo impetrado, tanto é que a própria União instituiu o Plano Nacional de Saneamento Básico por meio do 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo Teresópolis Meio ambiente – Urbanismo – Consumidor e Defesa do Contribuinte – Educação Decreto n. 8.141/2013, assim como cidades como São Paulo (Decreto Municipal n. 58.778/2019) ALEGAÇÕES DO IMPETRADO Por sua vez, o impetrado em sua manifestação nos autos alega preliminarmente que é do Órgão Especial deste Colendo Tribunal a competência para apreciar a validade de atos normativos da Casa Legislativa e eventualmente afastar seus efeitos, requerendo assim a extinção do feito com base no artigo 485, I do CPC. No mérito, argui que o Poder Legislativo agiu dentro da sua esfera de competência, já que o artigo 47, V, “g”, do seu Regimento Interno, prevê atribuição para expedir decretos legislativos ou projeto de resolução quanto a assuntos de sua competência privativa, notadamente nos casos de delegação ao Prefeito para a elaboração legislativa. Nesta linha, adotando-se o princípio da simetria constitucional, o artigo 49, V, da Constituição Federal prevê que é de competência exclusiva do Congresso Nacional sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa. Indica que o Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável (Lei Complementar Municipal n. 79/2006) e o Plano Municipal de Educação (Lei Municipal n. 3.370/2005) foram instituídos por meio de lei e não por decreto, assim como a Política Nacional de Saneamento Básico (Lei Federal n. 11.445/2007), motivo pelo qual a instituição do Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) também deve ocorrer por meio de lei. Aponta ainda para o fato de que os decretos municipais que tiveram seus efeitos sustados não tratam do que dispõe o artigo 2º, III, da Lei Federal n. 11.445/2007, deixando de contemplar, inclusive, a limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos realizados de forma adequada à saúde pública, à conservação dos recursos naturais e à proteção do meio ambiente. Por fim, o impetrante afirma que o Município de Teresópolis não possui PMSB, tomando por base o contido em documento produzido em Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) apresentado pelas empresa Águas do Brasil e reitera que a razão pelo qual o PMSB dever ser feito por lei é simples, pois não se estará tratando de uma política pública de governo, mas sim de uma política de estado, perene, que deve transcender mandatos e instituir metas, indicadores de desempenho que sejam estáveis e que não possam ser mudados ao livre alvedrio de quem os edita. Defende ainda que o Decreto Legislativo n. 003/2023 traz em seu artigo 2º a sustação do Edital de Concorrência Pública n. 002/2023 em razão do Município não ter 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo Teresópolis Meio ambiente – Urbanismo – Consumidor e Defesa do Contribuinte – Educação cumprido mais de 20 determinações do TCE/RJ, sob a “pseudo chancela” de decisão judicial que teria sido exarada nos autos do processo n. 0008626-53.2019.8.19.0061. Eis o relato do essencial. CONCLUSÃO O mandado de segurança se categoriza como remédio constitucional, encartado na Constituição da República no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, no Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos. Assim, a Constituição autoriza a concessão de mandado de segurança para a proteção de direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável por ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. O direito líquido e certo é condição específica da ação e deve ser comprovado de plano por documentos, independentes de exame técnico. O procedimento do mandamus é célere e não comporta dilação probatória. Em relação à preliminar arguida, não se encontram fundamentos legais que a sustentem, haja vista que a interpretação dada pela Câmara Municipal no que toca a competência para julgamento do mandado de segurança tornaria qualquer demanda desta natureza como sendo de competência originária dos colegiados dos Tribunais de Justiça. Sabese que os Juízos de primeira instância possuem competência para declarar inconstitucionalidade em sede de controle difuso e que a Lei Federal n. 12.016/2009 é clara ao atribuir competência aos Juízos de primeira instância para análise de eventual ato ilegal ou praticado com abuso de poder (vide artigo 4º, I, e artigo 7º, §1º, ambos da Lei Federal n. 12.106/2009). De imediato é importante destacar que, ao contrário do que alega a Câmara Municipal de Teresópolis, existe o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) em Teresópolis, elaborado pelo consórcio Encibra S.A. Estudos e Projetos de Engenharia e Paralela I Consultoria em Engenharia Ltda, contratado pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro por meio da Secretaria de Estado do Ambiente (SEA) para tal fim (link), plano esse cuja elaboração foi acompanhada pelo Ministério Público (Inquérito Civil n. 201101463487) e ao final foi aprovado pelo CONDEMA. A própria Câmara Municipal de Teresópolis em diversos momentos de sua argumentação analisa o texto do PMSB, levantando eventuais omissões como o fato de não haver previsão do serviço de limpeza urbana. 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo Teresópolis Meio ambiente – Urbanismo – Consumidor e Defesa do Contribuinte – Educação O Município de Teresópolis, por meio do Decreto Municipal n. 4.735/2016, instituiu o plano oficialmente, o que serve como pilar para a elaboração e execução de políticas públicas voltadas ao saneamento básico seu território de abrangência, inclusive aquelas que tem por objetivo a universalização do abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto sanitário. Portanto, se extrai das teses formuladas nos autos que o cerne da discussão jurídica é uma só: deveria o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) ser instituído por decreto editado pelo Poder Executivo ou deveria ser ele submetido ao Poder Legislativo para, ao final, ser chancelado por lei? Neste contexto, sabe-se que Plano Nacional de Saneamento Básico foi instituído pelo mesmo instrumento legal que o utilizado pelo Município de Teresópolis, ou seja, o Decreto Federal n. 8.141/2013 editado pelo chefe do Poder Executivo. O artigo 23, I, do Decreto Federal n. 7.217/2010, ao regulamentar a Lei Federal n. 11.445/2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, definiu que o titular dos serviços formulará a respectiva política pública de saneamento básico, devendo, para tanto elaborar os planos de saneamento básico, observada a cooperação das associações representativas e da ampla participação da população e de associações representativas de vários segmentos da sociedade, como previsto no art. 2o, inciso II, da Lei Federal n. 10.257/2001. A Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic – IBGE), em sua edição de 2017, traz um suplemento sobre saneamento básico indicando que 53 municípios fluminenses possuem Plano Municipal de Saneamento Básico e desse total 40 instituíram o plano por meio instrumento legal, sendo 23 por lei, 13 por decreto e 4 por outros instrumentos. Em 4 casos, o plano foi elaborado em conjunto com outro(s) município(s), em 3 casos com universidades, em 31 casos com empresas privadas, 5 com a companhia estadual, 1 com a Funasa ou o Ministério da Saúde, 6 com o Ministério das Cidades, 21 com o governo estadual, 3 com consórcio público, 19 com o Comitê de Bacia Hidrográfica e 10 com outros parceiros (link). Olhando para a realidade estadual, nota-se que diversos municípios instituíram seus respectivos PMSB por meio de decreto municipal, assim como o fez o Município de Teresópolis. A título de exemplo, podemos mencionar Niterói (Decreto Municipal n. 13.669/2020), Paraíba do Sul (Decreto Municipal n. 1.378/2016), Macaé (Decreto Municipal n. 169/2021) e Rio Bonito (Decreto Municipal n. 326/2015). O Ministério das Cidades, por meio da Secretaria Nacional de Saneamento Básico editou o documento Diretrizes para a Definição da Política e Elaboração do Plano de 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo Teresópolis Meio ambiente – Urbanismo – Consumidor e Defesa do Contribuinte – Educação Saneamento Básico. Nele, quanto ao processo de aprovação do PMSB, é recomendado que se dê por decreto municipal ou por lei, não estabelecendo prioridade a qualquer um deles. Portanto, do ponto de vista legal, não há qualquer óbice a instituição do PMSB por meio de ato exclusivo do Poder Executivo municipal. Cabe destacar que não se pode confundir “Política de Saneamento Básico” (artigo 9º da Lei federal n. 11.445/2007) com “Plano de Saneamento Básico” (artigo 19 da Lei Federal n. 11.445/2007). Enquanto a política define o modelo jurídico-institucional e as funções de gestão e fixa os direitos e deveres dos usuários, este sim instrumentalizado por lei, o plano estabelece as condições para a prestação dos serviços de saneamento básico, definindo objetivos e metas para a universalização e programas, projetos e ações necessários para alcançá-la, planejamento típico da discricionariedade administrativa do Poder Executivo. Por fim, outro ponto a ser destacado neste parecer diz respeito a competência do Poder Legislativo municipal para sustar os efeitos dos decretos municipais editados pelo Poder Executivo, acaso a instituição do PMSB obrigatoriamente se desse por meio de lei, o que se repete, não encontra qualquer respaldo legal. O Instrumento utilizado pela impetrada foi o decreto legislativo, que na Constituição Federal, para aplicação na esfera federal, está previsto no artigo 59, VI. Segundo o glossário do Congresso Nacional, o instrumento é conceituado como espécie normativa que regula as matérias de competência exclusiva do Poder Legislativo federal, ou seja, que não dependem de sanção do Poder Executivo. Entre essas competências exclusivas está expressamente a de sustar atos normativos do Poder Executivo federal que exorbitem do poder regulamentar. No âmbito municipal, a Lei Orgânica de Teresópolis estabelece no artigo 32 o rol de competências exclusivas da Câmara Municipal, no texto denominada como “competência direta”, sendo que entre elas não há menção a sustar atos do Poder Executivo que exorbitem o poder de regulamentar. Também não há qualquer menção à figura do decreto legislativo. Na verdade o espelhamento desse instrumento legal consta do artigo 47, V, do Regimento Interno da Câmara Municipal de Teresópolis, que prevê como atribuição do Plenário expedir decretos legislativos ou projeto de resolução quanto à assuntos de sua competência privativa, competência essa na qual não está inserida a elaboração de plano municipal de saneamento básico, haja vista que no rol exemplificativo previsto no dispositivo legal não há qualquer referência a finalidades que envolvam planos municipais. 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo Teresópolis Meio ambiente – Urbanismo – Consumidor e Defesa do Contribuinte – Educação Por fim, vale citar que a controvérsia sobre a necessidade de autorização legislativa – inexistente no caso, conforme decisão do STF – já foram enfrentadas nos autos que versam sobre o tema, cuja promoção anexamos aqui. Com efeito, tendo o artigo 9º, I, da Lei Federal n. 11.445/2007 e o artigo 23, I, do Decreto Federal n. 7.217/2010 chancelado a legalidade da instituição do PMSB por decreto, oficia o Ministério Público pela CONCESSÃO da segurança pleiteada.