Wanderley Peres
Publicados em 27 de junho passado, decretos legislativos aprovados, por unanimidade, na Câmara de Vereadores, visando a suspensão do edital da venda da água, tiveram os efeitos anulados nesta terça-feira, 25, com o julgamento na Terceira Vara Cível, de pedido de suspensão dos mesmos, feito pelo chefe do Executivo Municipal, mantendo-se a vigência dos Decretos Executivos nº 4.735/16 e nº 5.045/2018, ficando viabilizado o prosseguimento do processo licitatório para concessão do serviço de água e esgoto. Além de determinar a suspensão imediata dos Decretos Legislativos nº 002 e 003 e seus respectivos efeitos, com consequente manutenção de vigência dos Decretos Executivos nº 4.735/16 e nº 5.045/2018, foi declarada, também, a validade da instituição do Plano de Saneamento Básico, nos moldes do artigo 19, § 1º, Lei nº 11.445/07, que independe da aprovação dos vereadores.
Ao juízo da Comarca, a Câmara havia suscitado a incompetência deste para a análise da questão, ratificando a regularidade dos decretos legislativos que sustaram os decretos executivos e, sob a justificativa de que a competência legislativa para regularização do serviço de saneamento básico é privativa da Câmara Municipal de Teresópolis, afirmou que os Decretos Executivos sustados usurpavam a atividade legislativa, em afronta às normas constitucionais, sustentando a necessidade da existência de um Plano Municipal de Saneamento Básico para a sua concessão porque um decreto não pode se equiparar a uma lei, somente regulá-la. Após ouvir o Ministério Público, que opinou pela concessão da segurança, decidiu o juízo, pela “suspensão imediata dos Decretos Legislativos nº 002 e 003, ambos publicados em 27/06/2023, e, seus respectivos efeitos, com consequente manutenção de vigência dos Decretos Executivos nº 4.735/16 e nº 5.045/2018, com declaração da validade de instituição do Plano de Saneamento Básico, nos moldes do artigo 19, § 1º, Lei nº 11.445/07“. Veja o histórico para a decisão em box.
“Audiência e Edital não teriam respeitado os prazos exigidos em lei”, diz a Câmara
Em outra ação, proposta pela Câmara Municipal, a Prefeitura foi intimada, nesta terça-feira, 25, a se manifestar, no prazo de 48 horas, sobre a realização da audiência pública e publicação do edital da licitação da água em desacordo com os prazos, que seriam de 15 dias úteis da audiência pública para a publicação do Edital, e divulgada com antecedência mínima de 10 dias úteis de sua realização, devendo ser excluídos os dias de início e vencimento.
“A audiência foi realizada no dia 19 de maio, uma sexta-feira e o Edital publicado no dia 12 de junho e não no dia 15, como se pressupõem os prazos impostos, o que acarretaria na nulidade absoluta do Edital de Concorrência Pública 002/2023, marcado para a próxima segunda-feira, dia 31. Isso porque a Ré publicou o Edital de Concorrência Pública 002/2023 em 12/06/2023, desprezando totalmente o decidido por V.Exa bem como o previsto no artigo 110, § único da Lei: 8666/93, já que não houve expediente na Prefeitura Municipal de Teresópolis nos dias 09 e 12 de junho, em razão do dia 08/06/2023 ser feriado nacional e do dia 13/06/2023 ser feriado municipal pelo dia de Santo Antônio, por força do Decreto Municipal 5.979/2023 editado e publicado pelo Chefe do Poder Executivo Municipal que decretou ponto facultativo nos dias 09 e 12 de junho”, alegou a Câmara Municipal, ao pedir a suspensão dos efeitos da realização da Audiência Pública realizada em 19/05/2023 bem como do Edital de Concorrência Pública 002/2023 publicado em 12/06/2023, “dia onde não ocorreu expediente na Prefeitura Municipal de Teresópolis e, portanto, sem observar o prazo legal descrito no artigo 39 e 110, parágrafo único da Lei: 8666/93 e que foi objeto de clara recomendação no bojo da decisão de index 58986461”.
1) É ponto pacífico entre as partes que não existe Lei Municipal que regula o planejamento do saneamento básico de interesse local, questão preocupante porque se trata de serviço primário cujo planejamento é vital para o bom desenvolvimento de qualquer município.
2) Tratando de questão essencial de alto interesse e impacto social cabe aqui fazer um adendo para melhor compreensão sobre a matéria discutida nos autos.
3) Não somente por diretrizes administrativas, mais também em cumprimento à ordem judicial, o Município de Teresópolis necessita realizar licitação para regularização da prestação de serviço de tratamento de água e esgoto em todo município, conforme dispositivo da sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública que tramitou junto ao Juízo da 1ª Vara Civil da Comarca de Teresópolis, processo nº 0008626- 53.2019.8.19.0061 (índex 67906306).
4) Assim, encontra-se sobre o manto da coisa julgada a obrigatoriedade do Impetrante em efetivar a regularização da prestação de serviço público de água e esgoto, por meio de licitação, bem como a dispensa de autorização legislativa para realização de concessão deste serviço – considerando que naqueles autos foi declarada de forma incidental a inconstitucionalidade do artigo 99 da Lei Orgânica Municipal, que, em contrariedade à Lei Federal, determinava a necessidade de autorização legislativa para concessão do serviço de saneamento básico (art. 2º, Lei nº 9.074/95).
5) Ressalta-se que a declaração incidental de inconstitucionalidade foi objeto de recurso pelo Impetrado, Mandado Segurança nº 0051428- 16.2023.8.19.0000, recurso que se encontra pendente de julgamento.
6) Denota-se, ainda, que com a nova Lei de Saneamento Básico que estipulou o novo marco legal, não é possível que o Município Réu realize outra forma de contratação senão por meio de concessão, através de processo licitatório de ampla concorrência, ou seja, o Município de Teresópolis ou por força de lei ou por força de decisão judicial deve regularizar a prestação do serviço público de saneamento básico.
7) Ocorre que a Lei Federal nº. 11.445/07, que estabelece as diretrizes nacionais para saneamento básico, em seu artigo 11, inciso I, regula como requisito de validade do contrato de concessão a existência de Plano de Saneamento Básico, plano que foi regulamentado pelo Impetrante por meio de ato administrativo (decreto).
8) Neste contexto, cinge a questão principal nos presentes autos acerca da regularidade ou não dos Decretos Executivos que instituíram um plano de saneamento básico exclusivo para os serviços de tratamento e distribuição de água e coleta e tratamento de esgoto por meio de ato administrativo regulamentar, decretos suspensos por pelo Poder Legislativo local.
9) Em primeiro momento, afasto a alegação de incompetência absoluta deste juízo entendendo que na hipótese de haver dispositivo inconstitucional não há obrigatoriedade de se exercer o controle concentrado de constitucionalidade, sendo plenamente possível o exercício do controle incidental no caso em concreto. 15) Ultrapassada a questão preliminar, passo, pois, a analisar o cerne da questão.
10) O Impetrado, alegando a aplicação do princípio de simetria no exercício de suas atividades, sustou os Decretos Executivos que instituíram o Plano de Saneamento Básico Municipal bem como a licitação para concessão do serviço público de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgotos.
11) Cabe fazer uma ressalva quanto à ausência de reprodução na Lei Orgânica Municipal de dispositivo similar ao artigo 49, inciso V, da Constituição Federal, que autoriza o Poder Legislativo a fazer o controle externo dos atos do Poder Executivo que extrapolem a autorização legislativa, porque a simetria nos leva a não violar as leis hierarquicamente superiores, mas deve ser atentar no atuar do Poder Público na ausência de lei.
12) Dispõe a Lei Orgânica Municipal em seu artigo 31, inciso VI, que compete à Câmara Legislativa autorizar o Plano Diretor Municipal Integrado, o que foi concretizado pela Lei Complementar nº 79, de 20 de outubro de 2006.
13) Segundo os argumentos do Impetrado, em razão da matéria de saneamento básico fazer parte integrante do plano diretor, também deve o Legislativo autorizar sua instituição.
14) Além disso, expõe o Impetrado que o Plano de Saneamento Básico deve ser instituído por Lei e não por Decreto, juntando aos autos Leis Municipais dos Municípios limítrofes na qual o Plano de Saneamento Básico de iniciativa do Chefe do Executivo foram aprovados por leis.
15) De certo que o atuar do Administrador Público deve ser pautado na lei, cabendo aqui analisar se o Plano de Saneamento Básico, que não se confunde com Plano Diretor, deve ser instituído por lei e ser aprovado pela Câmara Municipal.
16) A meu ver a interpretação extensiva do Impetrado não procede. As normas que regularizam a instituição do Plano Diretor são distintas das normas que regularizam a instituição de Plano de Saneamento Básico.
17) Não há de se olvidar que o Plano Diretor Integrado prevê algumas diretrizes gerais sobre saneamento básico, mas nem sempre a regulamentação específica será realizada por meio de uma lei, como no presente caso em que há autorização para instituição do Plano de Saneamento Básico de forma diversa.
18) Em que pese a alegada ausência de lei pelo Impetrado, existe o Plano Diretor Municipal que apresenta normas gerais de saneamento básico a serem observadas pela Administração Pública, bem como a Lei Federal nº. 11.445/07 que regula a matéria de competência concorrente entre os entes da federação – estabelecendo preceitos a serem observados.
19) Neste contexto, deve o Poder Executivo viabilizar o exercício de sua função executiva por meio de atos jurídicos, regulamentando as leis gerais por meio de decretos e regulamentos de forma a especificar os mandamentos da lei ou prover situações ainda não disciplinadas por lei.
20) Ora, no presente caso, constata-se que os Decretos Executivos além de regularem leis já existentes, instituíram o Plano de Saneamento Básico, na forma determinada em lei.
21) Em corroboração ao discorrido acima, denota-se que a Lei Federal que regula a matéria dispõe que, embora o Plano de Saneamento Básico deva observar os Planos Diretores em que estiverem inseridos (artigo 19, § 3º, Lei nº 11.445/07), também dispõe que os planos serão aprovados por ATOS dos titulares e poderão ser elaborados com base em estudos fornecidos pelos prestadores de cada serviço (artigo 19, § 1º, Lei nº 11.445/07).
22) Importante destacar que a Lei Federal não condiciona que a instituição do Plano de Saneamento Básico seja formalizada por lei; ao contrário; expõe de forma expressa que os planos poderão ser aprovados por “atos de seus titulares”; sendo o titular do serviço o Município, que é representado pelo Chefe do Executivo que exerce sua administração por meio de atos administrativos.
23) Assim, entendo aqui como válida a regulamentação da matéria com a instituição do Plano de Saneamento Básico por meio de Decreto Regulamentar.
24) Em suma, as justificativas para sustação dos Decretos Executivos pelo Impetrado se mostram em primeiro momento desarrazoadas, devendo ser deferida a concessão da liminar para se garantir o exercício do direito regulamentar do Impetrante.
25) Salienta-se que os Decretos Executivos sustados observaram os preceitos legais para sua constituição, regulando matéria disciplinar e com observação da forma prevista pela lei.
26) Não se vislumbra, ainda, a necessidade de aprovação prévia pelo Impetrado do Plano de Saneamento Básico, nos termos do artigo 37, inciso VI, da Lei Orgânica Municipal.
27) Isso porque, como discorrido, o Plano de Saneamento Básico embora siga os preceitos gerais do Plano Diretor Municipal, com ele não se confunde.
28) Além disso, caso houvesse a previsão expressa da necessidade da aprovação na Lei Municipal, essa norma deveria ser afastada por meio de controle difuso de constitucionalidade, uma vez que contraria legislação hierarquicamente superior, devendo ser declarada inconstitucional, com base no tão aclarado princípio da simetria.
A DECISÃO
“Isso posto, DEFIRO o pedido liminar para determinar a suspensão imediata dos Decretos Legislativos nº 002 e 003, ambos publicados em 27/06/2023, e, seus respectivos efeitos, com consequente manutenção de vigência dos Decretos Executivos nº 4.735/16 e nº 5.045/2018, com declaração da validade de instituição do Plano de Saneamento Básico, nos moldes do artigo 19, § 1º, Lei nº 11.445/07.“