Wanderley Peres
Quase um ano depois, e depois de ver exponencialmente aumentada a enorme dívida contraída pelo prefeito Vinícius Claussen com o Hospital das Clínicas Costantino Ottaviano, a direção da FESO anunciou ao Conselho de Saúde, na reunião do dia 28 de novembro, que não renovará o contrato no ano que vem. Agora, nesta quarta-feira, dia 6, a instituição mantenedora do HCT fez parar de vez o atendimento, depois de conseguir no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro derrubar a decisão de Primeira Instância, que obrigava o atendimento mesmo sem a regularidade do pagamento do serviço, conseguindo também ordem judicial para imediato pagamento da parte da dívida que fazia parte de acordo não cumprido pelo prefeito.
Mas, que dívida é essa?
Provando aos conselheiros de saúde sobre a inacreditável dívida, que chegou a R$ 91 milhões em novembro e já estaria em R$ 94 milhões, o HCT revelou a planilha de débitos da Prefeitura, separando os serviços, estarrecendo a todos pelo volume de dinheiro retido nos cofres da Prefeitura, que faz falta ao prestador de serviço do SUS e que pode gerar ao município uma nova “dívida impagável”, como ocorreu com o precatório da Praça Olímpica, que estaria nessa ordem hoje se o atual prefeito não tivesse conseguido liminar para não pagá-la, elevando-a para perto de R$ 300 milhões, atualmente.
As verbas federais não repassadas entre 31 de agosto e 3 de novembro são R$ 8.422.675,82 e as verbas municipais não repassadas, entre 2 de março e 10 de novembro somam R$ 39.091.353,30, revelam a planilha. O prefeito não pagou também as parcelas do acordo feito, devendo desde 30 de junho R$ 18.412.570,08, somando os valores em aberto do corrente ano, R$ 57 milhões 866 mil, 599 reais e 64 centavos.
Dívida antiga da Prefeitura com o Hospital das Clínicas, mas inserida em precatório e que deveria ter sido paga em 25 de junho passado, outros R$ 30 milhões 456 mil, 941 reais e 27 centavos também não foram pagos.
Mas, além de não pagar o que deviam outros governos, e o que deve o atual governo, a Prefeitura estaria, ainda segundo a planilha apresentada ao TJRJ e encaminhada ao Conselho de Saúde, travando recursos de emendas parlamentares, específicas para o hospital. As emendas são de setembro e outubro, nos valores de R$ 408 mil uma e 564 mil a outra, e também verba específica do gabinete do Ministério da Saúde, no valor de R$ 1 milhão e 900 mil. Somando o dinheiro do Hospital das Clínicas retidos pela Prefeitura e não pagos, chegou-se ao astronômico valor de R$ 91 milhões 195 mil, 41 reais e 71 centavos.
ANDRÉ CORREA INDIGNADO
Em vídeo nas redes sociais, o deputado estadual André Correa, que junto ao seu pai, deputado federal Luiz Antônio, tem conseguido emendas parlamentares para o município, também reclamou do absurdo.
“Como adverti lá atrás, e não foi tomada nenhuma providência pelo prefeito, os serviços SUS prestados pelo HCT estão paralisados. Isso é lamentável. E mais grave. As emendas parlamentares, que conseguimos só esse ano mais três milhões de reais para as cirurgias cardíacas, e esses recursos não estão sendo repassados para as cirurgias cardíacas no hospital para evitar que o teresopolitano saia para outras cidades. Lamentável essa postura do prefeito, que precisa ter um fim imediato”.
DEJAVU
Um ano atrás, em 20 de dezembro de 2022, o Hospital das Clínicas Costantino Ottaviano ameaçou, em Carta à Prefeitura, uma paralisação de atendimento ao SUS, que ocorreria no final do ano passado. Mantenedora do hospital, a Fundação Educacional Serra dos Órgãos cobrava providências de pagamento de enorme dívida informada ao prefeito um mês antes, em notificação extrajudicial.
Às vésperas da data marcada para a paralisação, o prefeito comemorou nas redes sociais que havia feito um acordo com a FESO, garantindo ao povo que o atendimento não sofreria descontinuidade. “Terminamos agora pouco uma reunião com a Diretoria da FESO em que apresentamos uma proposta de pagamento para garantir a continuidade dos serviços. Continuamos trabalhando sem parar para garantir e ampliar os serviços de saúde no município”, Prometeu. O acordado nesta data, um ano atrás, é que gerou a quitação dos R$ 18 milhões, que a Justiça mandou o prefeito cumprir, agora, um ano depois. Nesse período, além de não pagar as parcelas devidas, a Prefeitura não fez, também, os repasses regulares para o pagamento dos serviços de saúde contratados, como prova a planilha exposta na última reunião do Conselho Municipal de Saúde.
A SURPRESA DO PREFEITO
Dizendo-se “surpreendido” com a decisão da Justiça, Vinícius Claussen comemorou nesta quinta-feira, 7, o pagamento da “dívida” com o HCT, anunciando que irá ao Tribunal para reverter a decisão, digo, para que o hospital continue a atender sem o devido pagamento pelos serviços prestados. “Informamos que efetuamos um pagamento hoje, de R$ 18.412.570,08 ao HCTCO, e que estamos entrando com um pedido de reconsideração no Tribunal de Justiça para renegociar o restante da dívida e para retomar os serviços prestados pela unidade de saúde”, publicou em Nota.
Contrariando a decisão da Justiça, que impôs “a solução jurídica imediata para que seja restabelecido o equilíbrio entre as partes na prestação de serviço com a devida contra-prestação pecuniária”, o prefeito publicou que a dívida seria de outros governos e que parte dela está sendo discutida, por isso não estaria sendo paga. “Sobre o valor apresentado pelo HCTCO, que aponta cerca de 91 milhões em dívidas [na verdade, já seriam R$ 94 milhões], informamos que cerca de 30 milhões são precatórios, uma dívida anterior a 2017 e outros R$ 30 milhões são de glosas, ou seja, pagamentos feitos sem a comprovação dos serviços prestados, que a Secretaria de Saúde de nosso governo identificou através de auditoria. Desse montante, restariam cerca de R$ 30 milhões em dívidas, das quais R$ 18 milhões foram quitadas hoje, dia 7 de dezembro de 2023. Reiteramos nossos esforços para que tudo seja resolvido o mais rápido possível. Teresópolis não ficará sem esse serviço, tão essencial à saúde de todos”, concluiu.
HOSPITAL NÃO ESTÁ ATENDENDO SUS
Anunciada na noite desta quarta-feira, 6, continua a paralisação do atendimento SUS no Hospital das Clínicas Costantino Ottaviano. O HCTCO suspendeu o atendimento SUS desde as 7 horas do dia 7 de dezembro de 2023, afetando os atendimentos ambulatoriais, consultas, exames, e a retaguarda para a UPA e cirurgias eletivas. Assinado pelo presidente Antônio Laginestra e o diretor geral da Fundação Educacional Serra dos Órgãos, Luiz Eduardo Tostes, um comunicado à população de Teresópolis apontou para decisão judicial em virtude de dívida da Prefeitura. Apesar do calote da Prefeitura, “em nome de sua responsabilidade social, o HCTCO manterá para o SUS apenas os atendimentos de urgência e emergência para traumato-ortopedia, obstetrícia, acidentes com animais peçonhentos e os leitos de CTI”, diz a Nota.
A decisão judicial a que se refere a direção da FESO, e que o prefeito considera “dívida paga”, foi dada pela Desembargadora Lídia Maria Sodré de Moraes, relatora da ação na Sexta Câmara do Direito Público do TJRJ, que discute em segunda instância a queixa do HCT de ser obrigado a fazer o atendimento SUS sem o devido pagamento pela Prefeitura, quando foi acumulada dívida desde o início do ano, após decisão favorável ao prefeito no juízo da Comarca, e que já chega perto de R$ 100 milhões.
“Entendendo que o encerramento da controvérsia por meio de decisão definitiva de mérito está longe de ser alcançada no juízo singular, impõe, necessariamente, uma solução jurídica imediata para que seja restabelecido o equilíbrio entre as partes na prestação de serviço com a devida contra-prestação pecuniária. Por derradeiro, sublinhe-se, que diante de todas as informações trazidas, não somente neste recurso, mas também nos autos principais, é que se manifesta, devido às frustradas tentativas de um novo acordo, como teratológica a decisão de Primeiro grau, configurando o perigo de dano irreversível e de violação clara do direito comum, notadamente, pela documentação trazida pela agravada. Pelo exposto, RECONSIDERO a decisão que indeferiu o pedido de efeito suspensivo para CONCEDER o referido pedido de suspensão da decisão que deferiu a tutela e, ainda, DETERMINAR, o imediato pagamento do valor de R$ 18 milhões, 412 mil e 571 reais, valor esse tido como incontroverso, no prazo de 10 dias, sob pena de responsabilidade e desobediência pelo descumprimento da administração municipal”, diz a decisão.
CÃMARA SÓ ENTRA EM RECESSO DEPOIS DA CRISE DA SAÚDE ACABAR
Temendo o risco que a cidade corre pelo colapso da saúde, com a insistência do prefeito em resolver os problemas financeiros da administração municipal na justiça, e diante da indefinição da Comissão Processante que investiga Vinícius Claussen, o presidente da Câmara Municipal, Leonardo Vasconcellos, anunciou na sessão desta quinta-feira, 7, que o recesso só vai acontecer quando o orçamento do ano que vem for aprovado e a Comissão Processante informe à Mesa Diretora a data do julgamento do prefeito e for solucionada a questão do atendimento SUS nos hospitais.
A prorrogação do início do recesso, que ocorreria em 15 de dezembro próximo, está previsto no artigo 17 da Lei Orgânica Municipal, onde está determinado que “a sessão legislativa ordinária não será interrompida sem deliberação sobre o Projeto de Lei orçamentário”. Antes da decisão do presidente da Mesa Diretora, alguns vereadores já haviam dito que estavam dispostos a não fazer o recesso, para tomarem providências contra “as maldades que o prefeito vem fazendo”, e por conta dos “acontecimentos inéditos na administração municipal”, que não poderiam ficar sem acompanhamento, como o caos na saúde.
“O recesso parlamentar está previsto em lei, como está também previsto, na Lei Orgânica, que as sessões ordinárias não parem enquanto não for aprovado o orçamento do ano seguinte. Espero que nessa semana o hospital volte a funcionar e que a ordem volte. Se não o artigo 17 será aplicado”, garantiu o presidente Leonardo Vasconcellos, afirmando que a situação da saúde em Teresópolis é grave apenas porque o prefeito não paga pelo serviço que é prestado, e ainda se apropria de dinheiro que é do hospital, não repassando nem as emendas parlamentares específicas.
“São R$ 8 milhões de verbas federais, que a Prefeitura recebeu e não repassou. Chegou, está no Portal, se apropriou e não transferiu para a Feso. Esses R$ 18 milhões que o prefeito diz que é a dívida paga é de um acordo em juízo feito por ele. É o acúmulo de 6 parcelas de R$ 3 milhões não pagas, daí o valor de 18 milhões. Ele combinou, na Justiça, e não cumpriu. As dívidas anteriores não são de outros prefeitos, é do atual prefeito, é quem tem que pagar o débito. Além da dívida do precatório, a Prefeitura deve ainda R$ 47 milhões somente ao HCT, dinheiro que faz falta para o hospital honrar os seus compromissos e se isso não for resolvido, o povo permanecerá sem o atendimento pelo SUS, que repassa, regularmente, esse recurso ao município. Onde se viu, um hospital que presta um serviço essencial, ao custo mensal de cerca de R$ 7 milhões, ficar sem receber, comprometendo a sua saúde financeira?”. O vereador lembrou que existe o dinheiro, “e dinheiro tem, é só a gestão pagar e o serviço voltar, porque esse calote não faz sentido num município com um orçamento de R$ 1 bilhão. Se perdurar esse impasse, e o povo continuar gemendo, essa Câmara terá de se manifestar, temos que tomar uma atitude”, sentenciou.
Outra exigência do presidente da Câmara, para o início do recesso, foi o anúncio da data de julgamento do prefeito pelos vereadores, que será definido pelo vereador Paulinho Nogueira, líder do governo na Câmara. “O orçamento só será votado se o prefeito pagar o hospital e cumprir o orçamento em curso. E, se a Câmara entrar em recesso, quando eu procurar os vereadores e alguns não serem encontrados, a responsabilidade será minha por não ter reunido a sessão”, disse, sendo aparteado pelo presidente da Comissão Processante contra Vinícius, que garantiu a informação da data à Mesa, não dizendo quando. Assim, enquanto a data não for informada, as sessões continuarão regulares, porque o julgamento deverá ser feito em sessão que cairia no período de recesso, e vereadores poderiam ser convencidos a se evadir da chamada para a sessão extraordinária.