Wanderley Peres
Quando recebeu o dinheiro da venda da água de Teresópolis, em dezembro passado, o prefeito Vinícius Claussen disse que iria usá-lo “para investimentos na saúde e educação, e em obras de infraestrutura urbana e turística”. Agora, nesta quarta-feira, 7, depois de passar por suspeito, porque o dinheiro havia sumido, o prefeito fez postagem nas redes sociais afirmando que “o recurso recebido foi utilizado prioritariamente para equacionar as contas, afetadas em função da queda de arrecadação e também pelas despesas com precatórios do passado”, dando suposto destino a apenas R$ 107 milhões, quando o valor da primeira parcela foi de R$ 183 milhões.
O “investimento” na saúde teria sido o pagamento que a Prefeitura fez, obrigada pela Justiça, aos hospitais HCTCO e HSJ, no valor de R$ 40.281.224,88; e na Educação, o pagamento da primeira parcela de dívida com a empresa de ônibus que faz o transporte escolar, serviço que é custeado pelo governo federal com verba específica e também sumida. O restante do dinheiro teria sido gasto em “despesa com pessoal”, R$ 29.590.230,21, e com o pagamento de precatórios e sequestros judiciais, no valor de R$ 34.562.422,82, lembrando que o município está proibido de receber repasses federais e estaduais por conta de sua inadimplência com os precatórios.
Quanto à diferença do valor da primeira parcela da venda da água, os R$ 75 milhões que não entraram na conta da Prefeitura, e deveriam ter entrado porque não havia previsão no Edital de Concessão que o dinheiro da outorga poderia ser gasto, parte dele, com indenizações a terceiros, afinal o que estava sendo concedido era a prestação do serviço e não o patrimônio alheio, o prefeito disse que o valor teria sido depositado em conta judicial. “É importante ressaltar que R$ 75 milhões foram depositados em uma conta judicial, aguardando decisão sobre o valor da indenização da Cedae”, afirmou o prefeito, depois se esquivando de confirmar a mentira à redação do DIÁRIO, que perguntou à Prefeitura o comprovante da suposta conta e se o print do depósito que o grupo Águas fez na conta da Cedae (e não da Justiça), seria falso.
Além de destinar à uma conta bancária da Cedae R$ 76.714.693,48 dos R$ 183.720.000,00, da primeira parcela da outorga, que deveria ter sido recebida, integralmente, nos cofres da Prefeitura, ao arrepio do Edital de Licitação, que regeu o contrato assinado entre a Prefeitura e a Águas da Imperatriz, o prefeito comprometeu ainda, a segunda parcela da venda da água, a ser paga em dezembro deste ano, destinando à Cedae R$ 51.143.129,00 dos R$ 122.480.000,00 que a Imperatriz ainda deve ao município, conforme impresso no contrato, que foi publicado pela Prefeitura. Tudo isso sem previsão legal, e contrariando lei municipal em vigor, no sentido de que “a empresa vencedora de concessão no município de Teresópolis deverá garantir os custos com o passivo, em caso de indenização, oriundo do novo contrato de concessão pública, arcando com os pagamentos acerca da indenização”.
AÇÕES NA JUSTIÇA CONTINUAM
Diversos recursos contra a venda da água de Teresópolis estão para ser julgados nos tribunais superiores, entre elas uma ação do Tribunal de Contas do Estado apontando à justiça que o processo levado a cabo pelo prefeito Vinícius Claussen estaria eivado de irregularidades. Além destas seis ações, que buscam reverter decisões favoráveis à venda da água no judiciário da Comarca, uma Ação Popular apresentada também busca cancelar a venda da água.
DESCONTINUIDADE DO SERVIÇO
Todas essas ações, no entanto, correrão, agora, com a água de Teresópolis em posse da empresa que comprou, mesmo que de forma questionável, e as decisões, uma delas que seja, que tornaria ilegal a transação, dependeria do trânsito em julgado porque “o serviço de abastecimento de água não pode sofrer descontinuidade”, como já decidiu o TJRJ ao cancelar decisão do juízo no intuito de retirar a Cedae do município, de imediato, em apenas 48 horas.
O ACORDO
Na decisão sobre o acordo entre a Prefeitura e a Cedae, para a entrega do serviço de tratamento e fornecimento de água em Teresópolis, um conselheiro apenas votou contra, votando três a favor, mas com ressalvas por conta insegurança jurídica do negócio em curso, e sete conselheiros só concordaram, indiferente ao risco de danos ao erário e ao dano à própria empresa, que abriu mão de indenização mais justa, momentaneamente, condição que envolve a Agernesa decidir, futuramente, se os R$ 127 milhões são suficientes para cobrir o valor do patrimônio da empresa estadual no município. Em caso de valer menos, parte do valor será devolvido e, valendo mais o patrimônio, a Prefeitura assumirá nova dívida, do tipo “dívida impagável”, embora exista lei no sentido de proibir o prefeito de contrair tal endividamento.
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A Nota da Prefeitura
Transparência: Teresópolis divulga destinação dos R$ 107 milhões da outorga da concessão de água e esgoto
O município de Teresópolis recebeu R$ 107.005.306,52 (centro e sete milhões, cinco mil, trezentos e seis reais e cinquenta e dois centavos) referentes à primeira parcela da outorga da concessão dos serviços de tratamento e distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto.
Realizada no dia 25 de agosto do ano passado, a Concorrência Pública nº 002/2023 teve como vencedora a concessionária Águas da Imperatriz, do Grupo Águas do Brasil, que iniciou a operação plena dos serviços no dia 06 de janeiro de 2024.
O valor que a Prefeitura recebeu, pouco mais de R$ 107 milhões, é parte da primeira parcela referente à outorga. É importante ressaltar que R$ 75 milhões foram depositados em uma conta judicial, aguardando decisão sobre o valor da indenização da Cedae. A segunda parcela, de R$ 124 milhões, totalizando os R$ 306 milhões da outorga, será paga ao município no final deste ano.
“Conforme anunciado, o recurso recebido foi utilizado prioritariamente para equacionar as contas, afetadas em função da queda de arrecadação e também pelas despesas com precatórios do passado”, assinala o Prefeito Vinicius Claussen.
- Saúde – Hospitais HCTCO e HSJ: R$ 40.281.224,88;
- Precatórios e sequestros judiciais: R$ 34.562.422,82;
- Gratuidade do transporte público: R$ 2.571.428,61;
- Despesas com pessoal: R$ 29.590.230,21.
Todos os valores podem ser consultados no Portal da Transparência do Município.
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A FALA DO PRESIDENTE DA CÂMARA, LEONARDO
Em entrevista a O DIÁRIO, o vereador presidente da Câmara Municipal, Leonardo Vasconcellos lembrou que todo esse imbróglio está acontecendo sem a confirmação do poder legislativo, que sempre combateu a venda da água e os equívocos do processo de licitação.
FOI R$ 306 MILHÕES
“O valor da venda da água foi de R$ 306 milhões e o edital da licitação previu que 60% deste valor deveria ser pago na assinatura do contrato, portanto, se conclui que os cofres públicos receberiam R$ 180 milhões antes de se permitir a posse da nova concessionária no serviço de exploração da água. Isso é que está escrito, é o temos de oficial sobre a outorga da concessão que foi feita, por isso venho cobrando que o governo informe aonde foram parar os 180 milhões de reais. Mas, ao invés de responder pergunta tão simples, o prefeito prefere dizer que é mentira, afirmando que não recebeu os R$ 180 milhões pela água, e sim somente R$ 103 milhões”.
INDENIZAÇÃO
“Quem acompanhou as audiências públicas, e as falas do governo, ouviu várias vezes, inclusive do procurador-geral do município, de que não havia que se falar em indenização à Cedae. Diziam, de forma enfática até, que a Cedae é que deveria indenizar a Prefeitura. E isso é o que estavam afirmando enquanto vendiam a água. Aí, depois de concretizado o negócio, aparece a informação de que parte do dinheiro da outorga foi extraviado, para pagar a Cedae, que segundo a própria Prefeitura nada teria a receber.”
DINHEIRO POR FORA
“Esse dinheiro, se foi pago por fora à Cedae, essa transação não está prevista no Edital, que é a lei do contrato. Não se pode fazer um contrato de licitação sem observar o edital que impôs as regras a ele, então esse pagamento não foi feito de forma legal. O pagamento dessa forma foi feito por mera liberalidade do prefeito nos entendimentos dele e por conta dos interesses escusos que ele teve com a venda da água”.
ENTREGUISMO
“Fomos contra o entreguismo da água a todo momento. Fizemos uma lei que, caso a água fosse vendida, a empresa que ganhasse a concessão teria que indenizar a concessionária anterior. Despreocupado com as contas públicas, o prefeito vetou essa lei, e a Câmara, por unanimidade, derrubou o veto do prefeito à lei de iniciativa dos vereadores que protege os cofres públicos da formação de uma nova dívida impagável”.
TUDO POR FORA
“Não temos nada de oficial sobre isso que a empresa Águas da Imperatriz repassou à Cedae parte do dinheiro que deveria entrar nos cofres da Prefeitura. Porque o valor da outorga é de R$ 306 milhões, e existe, no Edital da Licitação, a previsão de pagamento integral aos cofres públicos para a concretização do negócio”.
PRIORIDADES
“Agora, a gente vê que estão usando o dinheiro da venda da água para diversos fins que não haviam sido falados antes. O dinheiro da água pode ser utilizado para qualquer fim, mas o espírito público recomenda que a prioridade é o interesse da população, e a saúde, por exemplo, poderia ser a melhor destinação desse recurso que não estava previsto no orçamento”.
PAGAR DE NOVO
“Quem paga errado paga duas vezes, é o dito popular. Se a Água da Imperatriz pagou errado à Cedae por uma dívida que tinha com a Prefeitura, ela vai ter que pagar de novo pela outorga, porque foi no valor de R$ 306 milhões a venda, e para que ela assumisse o contrato deveria pagar R$ 183 milhões, portanto, hoje ela deve cerca de R$ 70 milhões ao município, porque pagou errado, porque o acordo que ela fez, em gabinetes, com o prefeito e a direção da Cedae, não pertence ao interesse público e nós iremos cobrar esse valor, porque vale o que estava previsto no Edital e não o que foi conversado, com outros interesses, nos gabinetes”.
AÇÕES NA JUSTIÇA
Existem diversas ações no Tribunal de Justiça, no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal de Justiça, todas questionando as ilegalidades da venda da água, e que ainda estão sendo avaliadas.
CANCELAMENTO
“Um próximo prefeito pode cancelar esse contrato de concessão. Pode e deve, porque, é um negócio eivado de erros. Se o Tribunal de Contas diz que tem foco de corrupção naquele edital, com certeza qualquer prefeito em sã consciência pode e deve reavaliar tudo isso”.