Para início de conversa, viver é reprimir desejos, afetos, pulsões. Vivemos sob a vigilância constante de um policial interno que avalia o equilíbrio entre os instintos e a realidade social. Nossa vida também é feita de recortes que totalizam a nossa experiência. Por exemplo: a vida religiosa em comunidade, a vida profissional, a social, a esportiva, a acadêmica. Em cada uma dessas “realidades”, encontramos um código de conduta. Em cada uma delas, precisamos não só aderir a esse código como, em muitas vezes, reprimir algo que nos é inerente. Não fosse isso, viveríamos transando e brigando pelas ruas. Reprimir é, então, o custo da civilização.
E o mundo corporativo, foco especial deste texto, é um grande baile de máscaras. Não só por seu código de conduta (hierarquias e processos a serem respeitados), mas também, e talvez principalmente, pela repressão dos instintos e impulsos que precisamos manter, como adiantado.
O baile de máscaras inibe nossos desejos agressivos contra chefes, colegas de trabalho, clientes e fornecedores. Ele atua, ainda, reprimindo nosso estado de espírito: em nome da produtividade, devemos sempre parecer bem, motivados e performando.
Pessoas ou situações corporativas também têm valor simbólico para muitos de nós. A relação com a hierarquia diz muito sobre a relação com a autoridade da figura paterna; a integração e cooperação, com a materna. O simbólico é, portanto, muito presente nas relações profissionais.
E, em nome da produtividade e da convivência, a repressão se transforma em sintomas. Números alarmantes demonstram o salto no uso de medicação psiquiátrica, tanto para líderes quanto para liderados, além das estatísticas de burnout, afastamento e o estrago nas relações pessoais e familiares. Reprimir um desejo ou uma pulsão leva esse conteúdo para o inconsciente e, se não direcionado, ele se transforma em sintomas, como compulsão alimentar, neuroses e questões depressivas e ansiosas.
Sem contar que esse “recorte” da vida, que é a vida profissional, causa muitas vezes uma cisão na integralidade do ser. Em vez de a pessoa viver sua vida com naturalidade, ela precisa continuar se exibindo e performando também em sua vida social, demonstrando ser uma extensão da vida profissional, ou vice-versa.
Reprimir é, então, jogar um conteúdo para o inconsciente, “guardadinho” em um canto. Se essa repressão não encontra uma forma de satisfação, ela se transforma em doença.
Isso explica a necessidade de hobbies e atividades em que a pessoa sublima essa energia. Sublimar é dar uma nova direção a essa energia reprimida, transformando-a em algo aceitável pela sociedade.
Impulsos agressivos podem ser transferidos para uma atividade marcial, boxe ou esportes de contato. Impulsos expansivos, como o de se mostrar e se exibir, encontram vazão em hobbies artísticos, como desenho ou na produção de conteúdos digitais, comuns entre corredores e praticantes de academia. A análise pessoal, através da psicoterapia, também pode ser uma forma de integração. Entender o porquê da necessidade de repressão e de como esse conteúdo se tornou sintoma é fundamental.




