Em nossos dias a lacração se tornou palavra de ordem nas conversas políticas e ampliadas as mais distintas áreas do saber humano. Em vista dessa insuportável realidade belicosa e infrutífera, que perpassa desde o menino de direita com suas fraldas aparecendo no palanque mineiro aos envelhecidos de esquerda que fizeram sua carreira falando dos seus gabinetes mofados a respeito de um barbudo e algumas de suas disfuncionalidades. Faz-se necessário discorrer sobre a origem de toda essa lacração.
Acreditem! A lacração não tem seu germe nas eleições de 2018 e nem mesmo na Quinta série que habita os de avançada maioridade e que ainda utilizam a interjeição: “Toma!” Ou o mais recente: “Turn Down for What!” Entretanto, o modus operandis desses belicosos armados com 280 caracteres tem sua origem entre os gregos antigos, mais precisamente os sofistas com sua erística dialética.
Erística é uma forma de argumentação que encobre a tese ou adia a sua apresentação, uma vez que a intenção não é provar um determinado argumento, mas confundir, cansar e vencer o oponente numa discussão. Os sofistas, portadores dessa dialética, ensinavam aos filhos dos aristocratas atenienses para que esses pudessem vencer os debates promovidos na democracia grega. A erística passou a ser uma estratégia utilizada pelos políticos gregos e pela elite que monopolizava os recursos à época.
Surgiu como contraponto a “lacração grega” ou melhor, a erística dos sofistas, o diálogo filosófico. Ensinado por Sócrates, este buscava chegar ao consenso e a uma verdade através do diálogo iniciado. Nessa empreitada socrática, lançava-se mão da ironia e da maiêutica (“dar à luz”, “dar parto”, “parir” o conhecimento imanente). Diferentemente, da erística que ignorava a verdade e que ansiava vencer o debate a qualquer custo, Sócrates propunha a verdade a partir do diálogo. Não era o debate como fim em si mesmo, mas sim chegar ao fato, ao verossímil, ao consenso.
Saltando um tanto para a filosofia alemã, Schopenhauer escreveu um livro que originalmente eram notas do seu escrito “Dialética Erística” e que, depois, fora veiculado com o seguinte título: “Como vencer um debate sem precisar ter razão”, onde desvenda, em 38 “estratagemas”, os processos de argumentação que podem levar um debatedor a conquistar a seguinte premissa: vencer a discussão mesmo que a razão esteja com o outro.
Os sofistas de nossa época, tal como os seus predecessores, não tem compromisso com a verdade e com os fatos, mas sim com o ganho, com os holofotes, com a repercussão de suas falas, com a quantidade de seguidores adquiridos e as curtidas demandadas na redes sociais. Por isso, um frequentador assíduo de casas de swing pode, por exemplo, vociferar contra o ataque a bandeira da família tradicional sem corar o rosto, como também, alguém no palanque bradará contra reformas trabalhistas, embora mantenha em sua casa uma pessoa que trabalha sem carteira assinada.
As lacrações são instrumentos utilizados por indivíduos que anseiam encobrir suas sujeiras, vencendo-as pelo argumento, ou seja, pela estética e não pela ética, o esforço schopenhaueriano da representação, isto é, da arte de atuar. Como também, as lacrações podem ser o disfarce da superficialidade intelectual do indivíduo a respeito do assunto posto em discussão e que, para não perder seguidores, utilizará a performance da sua ginástica argumentativa baseada em meia dúzia de interjeições e palavras de efeito.
