A família multiespécie é entendida como aquela baseada essencialmente na afetividade presente na relação entre seres humanos e animais. Com o reconhecimento contemporâneo dos animais como seres sencientes, dotados de diversos sentimentos, é possível afirmar que essa configuração familiar já encontra respaldo implícito na Constituição Federal de 1988, sendo uma nova forma de estruturação familiar. A Constituição reflete uma transformação gradual, com a doutrina e jurisprudência nacional sendo cada vez mais permeadas por essa nova realidade. Na mesma dinâmica que a vida exige, as varas de família têm progressivamente reconhecido o que para muitos é uma realidade evidente: os animais de estimação passaram a ser considerados integrantes das famílias. Assim como ocorre em famílias com filhos, onde o afeto entre casais e filhos é profundo, também nos relacionamentos onde o amor entre os tutores e seus pets é forte, as disputas, muitas vezes, envolvem a custódia dos animais quando o vínculo conjugal se desfaz.
A legislação civil, em seu caráter tradicional, estabelece que, após o rompimento do vínculo conjugal, os animais de estimação são tratados apenas como bens passíveis de partilha. Contudo, essa visão tem sido gradualmente modificada pela nova realidade social, em que os animais de estimação são frequentemente considerados membros da família, sendo chamados, em muitos casos, de "filhos de quatro patas". A importância desse tema é tamanha que o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) já se posicionou sobre ele, e no Enunciado 11, afirmou que "na ação destinada a dissolver o casamento ou a união estável, pode o juiz disciplinar a custódia compartilhada do animal de estimação do casal". Atualmente, as questões relativas aos animais de estimação no Brasil ainda dependem, em grande parte, da sensibilidade e bom senso dos profissionais do direito, uma vez que não existe uma legislação específica que regule o tema.
Dessa forma, uma análise doutrinária, legislativa e jurisprudencial sobre a possibilidade de aplicação dos institutos do direito civil no que diz respeito à guarda, regulamentação de visitas e alimentos para animais de estimação revela que, diante da ausência de regulamentação, cabe ao judiciário decidir sobre esses casos. Embora ainda não seja uma prática pacífica, observa-se que os magistrados têm recorrido à aplicação analógica dos dispositivos, conforme permite a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), diante da omissão legislativa. Isso possibilita a tutela judicial de pedidos de guarda, regulamentação de visitas e alimentos para os animais após a dissolução de um relacionamento conjugal. Vale destacar que, entre as demandas mais comuns, estão as de guarda e regulamentação de visitas, sendo os pedidos de alimentos mais raros. Quando estes ocorrem, o judiciário tende a adotar o termo "ajuda de custo", ao invés de pensão alimentícia.
Portanto, diante do exposto, conclui-se que é essencial a criação de uma legislação específica para regular a temática, considerando que a configuração da família multiespécie é cada vez mais presente na sociedade. Atualmente, tais litígios dependem da sensibilidade do julgador, pois a legislação ainda classifica os animais como "coisas". No entanto, esse entendimento não reflete a realidade social, que reconhece os animais como seres que não podem ser tratados como objetos, e é necessário que o legislador acompanhe as mudanças trazidas pelos fenômenos sociais. O direito não é estático. O relatório do anteprojeto do novo Código Civil já apresenta significativas mudanças em relação ao tratamento jurídico dos animais. As inovações propostas podem abrir caminho para que as chamadas "famílias multiespécie" se tornem uma realidade no direito brasileiro. Pela primeira vez, os animais terão uma seção própria dentro do Código Civil, no Livro II, que trata dos bens. O artigo 91-A define os animais como "objetos de direito", reconhecendo-os como "seres vivos sencientes e passíveis de proteção jurídica própria". A proposta também destaca a importância da relação afetiva entre humanos e animais, permitindo a reivindicação de danos por aqueles que sofrerem pela perda ou sofrimento de animais com os quais mantêm vínculo afetivo.
Dr. Bruno Augusto Vasconcellos Miller – OAB/RJ 154.300. Advogado especialista em direito de família e sucessões. Conselheiro 13ª subseção OAB/RJ. Presidente da Comissão de Direito de Família 13ª subseção OAB/RJ. Sócio fundador do escritório Monteverde & Miller Sociedade de Advogados – MVM ADVOGADOS