Nesses dias abafados de Verão, que em 2019 tem superado os calorentos períodos do ano passado, praticar atividades físicas requer um pouco mais de preocupação: É preciso escolher melhor os roteiros, além, logicamente, de cuidados como a hidratação. Para quem pratica montanhismo – não “trilheirismo”, com alguns insistem em intitular – a opção é procurar trilhas mais curtas e, se possível, com possibilidade de um refresco no final. Em nossa região temos algumas assim, entre elas a que leva o cume da Agulhinha Beija-Flor. Com 1.470m de altitude, a montanha fica na Serra dos Órgãos e permite uma excelente vista para nossas riquezas, como a rica floresta protegida pela unidade de conservação ambiental e formações rochosas como Nariz e Verruga do Frade.
Esse é um dos meus destinos preferidos nessa época do ano e, no sábado passado, guiei uma turma do Centro Excursionista Teresopolitano (CET) até o cume da Agulhinha. Devido a sua localização, essa montanha parece ilha de pedras em um mar de floresta. Ela pode ser vista de alguns pontos do bairro do Alto e Granja Guarani, mas devido a sua proporção em relação à vegetação não é de fácil identificação. Quem já esteve no final da Estrada da Barragem, na sede Teresópolis do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, já deve ter visto essa montanha, mesmo sem saber que se tratava dela. Basta parar de frente para o gramado e a cachoeira nesse ponto e elevar o olhar para perceber a afloração rochosa em meio a grandes árvores.
E fica ali o início da trilha, a mesma que vai para a montanha mais frequentada da unidade de conservação, a Pedra do Sino. São aproximadamente 700 metros por esse caminho e, em uma curva forte para a esquerda, o caminhante deve achar uma quase imperceptível trilha no lado direito. Mais alguns metros e surge o Rio Beija-Flor, em um ponto onde existem alguns tradicionais totens de pedra. E desse trecho em diante entra em cena o grande diferencial em relação a outros pontos visitados na Serra dos Órgãos.
O bonito rio, com pequenos poços e quedas, convidativos ao banho mesmo quando o tempo não está quente, já dá o tom de como será o caminho dali em diante. Úmido, bastante úmido. Pouca iluminação e a terra quase sempre molhada fazem com que a trilha da Agulhinha Beija-Flor, somada a inclinação mais forte em alguns pontos, seja bastante sensível. Por isso, ela não entra na lista de trajetos divulgados, por não suportar uma carga muito grande de visitantes.
Quem tem a sorte de conhecer, ou ser levado por alguém que conhece, com certeza ficará com vontade de voltar. O clima e cheiros diferentes, trechos onde grandes raízes servem de apoio ao caminhante, o mato arranhando em alguns pontos – o que não acontece nas trilhas mais batidas e consequentemente abertas, o solo com uma rica serapilheira, que também não ocorre onde muitas pessoas costumam passar com frequência… Apesar de bem próximo ao popular acesso ao Sino, nada lembra esse trajeto. Por conta desses diferenciais, é preciso realmente buscar informações ou meios tecnológicos para se orientar, ou um guia caso não tenha experiência suficiente no montanhismo.
Complexo do Frade
Da Barragem até o cume da Agulhinha do Beija-Flor são apenas aproximadamente dois quilômetros, trajeto considerado leve superior por conta do desnível entre saída e destino final. Um pouco antes de se chegar ao topo, o caminhante já começa a avistar uma das montanhas mais conhecidas e de formato curioso da Serra dos Órgãos, o Nariz do Frade com sua Verruga. Aliás, desse cume é possível avistar quase toda essa formação, com o grande Queixo à frente. Só falta a Testa/Capucho, que fica um pouco mais atrás dessas duas. Também se destacam a partir da Agulha a Pedra da Cruz e o Papudo.
Outra curiosidade é que se avista do topo todo o trecho de floresta cortado pela trilha da Pedra do Sino, inclusive o famoso lajedo do Abrigo 3. Olhando no mesmo sentido, o imponente vale verde, composto por grandes e diferentes árvores. No meio dele, desce, nessa época do ano bastante volumoso, justamente o rio Beija-Flor. Por conta da densa vegetação, ele não pode ser visto de cima, mas é facilmente ouvido. No sentido inverso, boa parte de Teresópolis e, se o tempo estiver aberto, boa parte das formações na área do PETP, inclusive as que dão nome a esse parque e a Mulher de Pedra.
Escaladinhas
Para se chegar aos 1.480 metros de altitude, o cume da Agulhinha, é preciso vencer um pequeno trecho de rocha, de aproximadamente três metros, com suave inclinação. À esquerda, um grande abismo. Por isso, para os menos experientes ou que tenham receio em relação à altura, é preciso fixar uma corda para o cabeamento. Se ainda assim houver dúvida, é melhor utilizar uma cadeirinha para a devida segurança. Existem grampos no cume, um utilizado para permitir esse acesso mais tranquilo pela rota normal e outros da variante “Cidadela”, utilizada como campo escola para treinamento de cursos básicos de alguns clubes.
A Beija-Flor foi conquistada em 08 de setembro de 1974 pelos membros do Centro Excursionista Brasileiro (CEB) Otávio Meira Vasconcelos, Raimundo Luiz Minchetti e Francisco Berardi, este último ainda em plena atividade e responsável por diversos outros desbravamentos em nossa região. Três anos depois, Minchetti, Octávio e Telênia Hill retornaram à Agulhinha para conquistar uma pequena chaminé bem próximo ao cume. Graduada em segundo grau, essa via de aproximadamente 20 metros também é muito utilizada para treinamentos. Para os adeptos da escalada esportiva, na parte externa existe a via Fissura Mariana, que tem crux graduado em 7º grau. Do cume é possível descer por grande rapel, de aproximadamente 40 metros de altura, batizado como descida Henry Thoreau, em homenagem ao famoso naturalista americano.
Não “farofe” nossas montanhas
Elas estão abertas a todos, mas não para todo o tipo de gente. É preciso ser montanhista, não apenas “um trilheiro” – como muita gente adora se intitular em redes sociais. Subir uma montanha é muito mais que chegar ao cume ou conseguir uma foto bonita para postar. É preciso amar e respeitar cada lugar visitado. É preciso valorizar a história daqueles que abriram esses caminhos ou trabalham para que eles continuem sendo visitados e valorizados. Não deixe nada, a não ser pegadas. Não leve nada, a não ser boas lembranças.
Para saber mais sobre essa e outras atividades de montanha, visite uma das reuniões sociais do Centro Excursionista Teresopolitano, o CET. Elas acontecem todas as quartas-feiras, a partir das 20h30, na loja da Sociedade Pró-Lactário, no número 555 da Avenida Lúcio Meira, na Várzea. O e-mail da coluna é o marcello@odiariodeteresopolis.com.br
A alegria da conquista no cume da Agulhinha, que parece uma “ilha de pedra em um grande mar de floresta”. Ao fundo, Nariz, Verruga e Queixo do Frade em destaque