Juana Portugal, Antonio Fuchs e Paula Gonçalves (INI/Fiocruz)
Um profissional de saúde de mãos abertas com 24 borboletas a sua volta. A interpretação é individual, mas a obra é uma construção coletiva de dois artistas especializados em grafite – Cadu Havengar e Pas Schaefer –, com a colaboração dos trabalhadores que acompanharam a realização da obra na fachada do bloco técnico do Centro Hospitalar para Pandemia de Covid-19 do Instituto Nacionaal de Infectologia (INI/Fiocruz). O mural, uma homenagem da Presidência da Fiocruz para o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, marca o primeiro ano de funcionamento do Centro Hospitalar, que diariamente salva a vida de inúmeros brasileiros vítimas da pandemia. Nísia Trindade Lima, presidente da Fiocruz, fez a entrega do painel a Valdiléa Veloso, diretora do INI, no dia 30 de junho. A solenidade reuniu diversos profissionais que trabalham no Centro Hospitalar, cujas rotinas diárias inspiraram os artistas.
Na sua fala, Nísia relatou que foi procurada pela diretora do INI, Valdiléa Veloso, para programar alguma atividade que marcasse o primeiro ano do Centro Hospitalar. “Nós conversamos e eu disse que gostaria de homenagear os trabalhadores do INI com uma obra de arte. Então, podemos dizer que Valdiléa foi inspiradora dessa ideia e, claro, o trabalho coletivo e artístico dos pintores. Esse mural tem a alma da Fiocruz representada nele, que são os profissionais que diariamente atuam fazendo o melhor pela nossa saúde pública. Só temos a agradecer a todos vocês que estão nessa batalha cotidiana e lidando com o sofrimento humano. Com essa pintura queremos trazer um pouco da leveza das borboletas para os voos que vocês terão pela frente”, salientou Nísia.
A diretora do INI, Valdiléa Veloso, agradeceu à Presidência da Fiocruz pela homenagem que marca o primeiro ano de funcionamento do Centro Hospitalar, e aos artistas, pela sensibilidade em expressar tão bem a esperança que a unidade busca dar a todos os pacientes que entram nela e desejam sair curados da Covid-19. “Esse painel colorido, de alegria, de esperança, nos revigora para a vida, para continuarmos o nosso trabalho. O mural, assim como o nosso Centro Hospitalar, não é transitório. Ele vai permanecer nessa parede e lembrar aos que virão no futuro sobre esse momento que nós estamos vivendo. É um painel testemunho. É uma homenagem que nos revigora para continuarmos nossa luta”, afirmou Valdiléa.
Mariana Machay, chefe do Serviço de Enfermagem do INI, representando o Sindicato dos Servidores de Ciência, Tecnologia, Produção e Inovação em Saúde Pública (Asfoc-SN), e Michele Borges, enfermeira do INI, falaram em nome dos profissionais da unidade. Nas suas falas ambas ressaltaram a beleza do mural e a sensibilidade ao simbolizar os trabalhadores do Centro Hospitalar e a motivação que ele traz para a rotina diária de todos que estão fazendo de tudo para salvar vidas durante esta pandemia.
Acompanhado por sua esposa, filhos e seus pais, Cadu Havengar informou que as borboletas representam a transformação dos pacientes que chegam para tratamento no Centro Hospitalar e que lutam para sair com vida dessa doença que vem dizimando famílias. “Entendemos que, assim como a borboleta sofre uma metamorfose do casulo para a lagarta, até criar belas asas e ganhar a liberdade, é assim que enxergamos aqueles que são atendidos na unidade. Vencer essa luta e sair com vida de volta para os braços da família representa esse voo de liberdade que buscamos imprimir no mural. É interessante pensar na ideia de que o grafite fica exatamente entre a porta de saída dos pacientes que recebem alta e do necrotério hospitalar. Ou seja, as borboletas podem significar uma passagem, tanto de volta para a vida, quanto para outro plano de existência”, salientou o artista.
Diversos profissionais do INI estiveram presente na solenidade de entrega do mural, como o vice-diretor de Serviços Clínicos, Estevão Portela Nunes, a vice-diretora de Gestão, Solange Siqueira, o chefe de Gabinete da Direção, Odílio Lino, o assessor de Gestão Hospitalar do INI, Pablo Quesado, entre outros.
Concepção do mural
No âmbito da celebração dos 121 anos da Fiocruz, que teve como tema o Ano Internacional dos Trabalhadores de Saúde e Cuidadores, instituído pela Organização Mundial da Saúde, a Fiocruz quis prestar uma homenagem, com uma obra de arte, aos trabalhadores que atuam na linha de frente no enfrentamento da pandemia. “Conheci o trabalho do Cadu durante a pandemia, ele me fez portadora de um presente aos trabalhadores da Fiocruz, uma linda aquarela do Castelo, com uma dedicatória muito emocionante, com um olhar muito sensível, em que destacava a importância e a dedicação de todos os trabalhadores da Fiocruz. Assim, quando a presidente Nísia me passou essa tarefa, imediatamente pensei no Cadu, apresentei seu portfólio em uma reunião e todos aprovaram seu trabalho", explicou a assessora da Presidência da Fundação, Inês Fernandes.
Confira, abaixo, uma entrevista exclusiva com Cadu Havengar e Pas Shaefer, sobre suas trajetórias de vida e a concepção e realização do painel do Centro Hospitalar para Pandemia de Covid-19 do INI.
ACS/INI: Fale um pouco sobre a sua trajetória, Cadu.
Cadu: Meu nome é Carlos Eduardo. Eu sou artista plástico (@caduhavengar), de Nova Iguaçu e fui convidado a fazer essa homenagem a todos os profissionais do Centro Hospitalar. Convidei Pas, que foi o meu professor, para ser o meu parceiro. Meu trabalho busca falar de pessoas, especialmente dos festejos e daqueles que fazem o Rio de Janeiro e o Brasil, de verdade, girar. Quando recebi o convite para participar dessa celebração da vida, confesso que fiquei muito feliz e tenho certeza que vai ser um trabalho que ficará marcado na minha história e na minha vida. O Castelo da Fiocruz faz parte da minha infância. Eu falava com meu pai quando criança e passava pela Avenida Brasil, que era um castelo encantado e ele concordava para brincar. Hoje, já adulto, tenho certeza disso por tudo que essa instituição tem promovido para a população de todo o Brasil nesse momento de dificuldade.
ACS/INI: Desde cedo você tinha essa ligação com o Castelo Mourisco.
Cadu: Sim, Hoje eu tenho 42 anos. Nasci aqui no Rio de Janeiro, mas fui praticamente criado em Nova Iguaçu, e minha família costumava passar o carnaval na Região dos Lagos, quando eu ainda era criança. Então passávamos sempre pela Avenida Brasil, não havia nem a Linha Vermelha ainda, e era quando eu falava: “Pai, o castelo, o castelo! ”. E ele “É, o castelo encantado”. E eu realmente acreditava que era encantado e falo para todo mundo hoje: “Graças a Deus pela ciência, pelo SUS, pela Fiocruz”. Meu pai achava que estava me enganando, mas hoje eu tenho certeza. É encantado mesmo e as pessoas que estão lá são os nossos reis e as nossas rainhas e temos que ser muito gratos a eles. Eu tenho um amor muito grande pela Fiocruz e pelo que ela faz. Então, nós nos entregamos para tentar passar esse amor por todos eles nesse painel. Que todos se sintam retratados e se reconheçam nessa arte.
ACS/INI: Como surgiu o convite para fazer o mural?
Cadu: Eu costumo retratar meus heróis e um deles é o Cartola. Maria Inês Fernandes, assessora da presidência da Fiocruz, se encantou pelo quadro e me procurou nas redes sociais, entrou em contato direto comigo e adquiriu o quadro. Eu faço alguns cursos, entre eles de aquarela, que é uma das técnicas que eu gosto muito e, nesses estudos tinha que retratar algum tipo de arquitetura. Não tinha dúvida que seria o Castelo Mourisco. Doei a obra para a Fundação e é claro que fiquei maravilhado de ter uma obra minha dentro do Castelo. Posteriormente ela me procurou, passei meu portfólio e fui escolhido para fazer dois trabalhos para homenagear os profissionais do Centro Hospitalar do INI e do Centro de Saúde Germano Sinval Faria, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca. Eu aceitei o convite na hora e chamei meu mestre e professor, que hoje é um grande amigo, o Pas, para essa parceria no mural.
ACS/INI: Há quanto tempo trabalha com grafite?
Cadu: Grafite é uma forma de arte. Eu sempre trabalhei muito com desenho, já fiz alguns murais. Eu faço arte desde a infância. Eu já tinha feito grafite, mas no quintal da minha mãe. Então, profissionalmente, esse é o meu primeiro grafite e justamente aqui na Fiocruz. Estamos conversando e a borboleta da mesma espécie que grafitei pousou há pouco aqui. Se isso não é um sinal, eu não sei mais o que é.
ACS/INI: Pas, fale um pouco da sua trajetória e dessa parceria.
Pas: As pessoas me chamam de Pas (@pas.oficial). Eu faço grafite há uns 15 anos, mais ou menos. Já pintei em quase 20 países. O Cadu foi meu aluno e foi um prazer fazer essa arte com ele. Estou muito orgulhoso de poder fazer parte dessa história e para mim é um prazer pintar aqui, pois meu trabalho é muito mais voltado para a natureza. A minha formação é em Ciências Naturais, pela USP e sempre tentei integrar o máximo possível de natureza nas minhas obras. Esse ano estou me dedicando ao ar e virei até paraquedista para isso. Comecei a voar de parapente. Eu gosto muito dos esportes radicais, porque eles aproximam muito a vida e a morte. Então, se você sabe que tá perto da morte, como é que você não vai valorizar a vida, sabendo que é isso que você tem agora? Então acho que essa pintura reflete bastante isso. Essa renovação e esperança. Também é uma forma de homenagear as pessoas que já se foram, virando borboletas. É uma nova forma delas fazerem a passagem.
Nós buscamos representar todos que diariamente estão combatendo essa doença nesse centro hospitalar. Queremos que cada um se sinta representado ao olhar para o mural. Contamos com a ajuda dos profissionais da unidade para escolher as cores e as posições das borboletas. Então a ideia foi ter o “dedinho” de todo mundo na obra. Que se sentissem pertencentes a esse mural. Nós estamos pintando, mas quem está fazendo o trabalho são os funcionários daqui. Então, essa é a maneira que a gente tem de homenagear as pessoas. Através da arte buscamos melhorar, um pouco que seja, a vida de cada um que está aqui dentro, que pode passar pelo mural e admirar a pintura. É muito bom ver os profissionais olhando, conversando e desenvolvendo interpretações, estimulando a imaginação e o senso de pertencimento. Tem um respirador no cantinho do mural, que é uma coisa que incorporamos e eles sentem muito orgulho disso. Queremos que cada uma das pessoas que trabalha no Centro Hospitalar se sinta representada na nossa arte. Apesar do conceito ser nosso, sempre que alguém passava e conversava conosco enquanto estávamos pintando, novas ideias iam surgindo e eram incorporadas no trabalho final. Esse mural pode ter sido pintado por nós dois, mas certamente é uma construção coletiva desses heróis de rostos escondidos por trás de máscaras. Há um pouquinho de cada um naquela face na parede.
ACS/INI: As chaminés com filtros são um diferencial da unidade. Elas integram um sistema de isolamento por pressão de ar que evita a propagação do vírus interna e externamente.
Cadu: A luta maior contra a doença é justamente para ter ar, correto? A grande luta é o oxigênio, a respiração. E essa preocupação tecnológica eu achei sensacional. Quando eu passei aqui por dentro pela primeira vez e olhei de longe, me pareceu uma floresta mesmo, com árvores surgindo. Depois me explicaram a função deles. Eu falei com o Pas: “É isso, as pessoas estão lutando para respirar. Nós precisamos focar nisso”.
Um rapaz veio conversar conosco dizendo que não tinha muito conhecimento para interpretar arte e perguntou o que a gente queria dizer com o painel. Eu expliquei que a arte é o que ele sentia ao ver a pintura e foi quando ele falou que achava borboleta legal, pois começa de um jeito e depois voa para a liberdade. Aí eu disse para ele que era isso!
As pessoas chegam aqui em um ciclo de vida. Quando você tem a notícia de que adquiriu a doença, vem parar nesse hospital e depois recebe alta, é uma nova vida. Eu e o Pas estávamos pensando nessa ação da borboleta. Aquele tempo dela dentro do casulo é o tempo das pessoas aqui dentro se recuperando. E esse voo, eu espero que seja um voo para uma nova vida, para valorizar todos os momentos, os abraços que não podemos dar no momento da alta.
Achei lindo o que o Pas falou. Estamos nesse pedaço de caminho que as pessoas fazem. Quando chega a hora do almoço, muita gente vem admirar o mural, chamando uns aos outros, tirando fotos. Eu vejo que o nosso papel aqui é muito mais do que fazer um grafite, uma obra de arte. É muito grande isso que tá acontecendo pra mim e eu tenho certeza que para o Pas também. Estamos fazendo parte de algo muito maior.
ACS/INI: O conceito da obra contou com a colaboração dos próprios trabalhadores.
Pas: Várias coisas foram se alinhando conforme a gente aprendia o que acontece dentro do Centro Hospitalar. Estávamos com essa ideia de trazer borboletas e as mãos, mas eu sempre falo que sou escravo da arte. Não sou eu que tenho o controle. Eu tenho uma ideia, mas na hora a parede vai falar assim “Olha, você tem que fazer isso”, aí eu faço. Então, estar nos lugares muda muito a pintura. Você pode ter uma ideia inicial, mas quando está executando, sempre muda. E o olhar de fora, as pessoas que trabalham aqui, conversando conosco, dando ideias, fez com que o mural fosse se alterando aos poucos. A gente tem uma micro ideia, mas a arte só finaliza dentro da imaginação da pessoa que a vê. Então, nós fazemos uma parte e quem vê e interpreta, complementa essa obra.