Anderson Duarte
A atualíssima discussão sobre o confronto entre Mero Aborrecimento e Dano Moral foi novamente o tema de palestra do Desembargador Alcides da Fonseca Neto, titular da 20ª Câmara Cível do TJRJ, em nossa cidade. Dentro da programação da Jornada Jurídica da OAB-RJ, o evento reuniu a classe jurídica da cidade entorno do importante tema e o Magistrado mais uma vez foi enfático em considerar que não há indústria do dano moral a ser combatida, e sim uma indústria do mero aborrecimento que prejudica, além dos cidadãos, o próprio Judiciário, atravancado por processos. Acompanhado do Vice-diretor de Assistência aos Advogados da OAB, Genilton Castilho, e do Presidente da OAB em Teresópolis, Rodrigo Ferreira, o Desembargador participou ao vivo do programa Jornal Diário na TV desta sexta-feira, 16, e falou em entrevista que o tema é muito mais do que um debate específico das classes, mas uma necessidade da sociedade.
“As grandes empresas se aproveitam das fixações de valores baixos de dano moral e estão ganhando muito dinheiro com isso. É possível contatar isso ao olharmos para o ranking mantido no site do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, onde nos últimos cinco anos, diria até sem ter medo de errar, nos últimos dez anos, as trinta empresas mais acionadas nos juizados especiais são as mesmas, categoricamente as mesmas”, lembrou o Desembargador. Questionado acerca dos valores irrisórios recorrentemente sentenciados por dano moral, e que tem como base justamente a questão do mero aborrecimento, Alcides da Fonseca Neto explica o que ele entende ser o início deste entendimento. “Esse mero aborrecimento surgiu como forma de combater a chamada indústria do dano moral, em razão de consumidores habituais, e respectivos advogados, que estariam propondo demandas precárias com o único objetivo de ganhar dinheiro. Então, para conter essas demandas que estavam inflando os juizados por todo o país, apareceu, em contrapartida, ideia de se fomentar o “mero aborrecimento”. Talvez isso possa ter tido sua valia nos anos 1990, 2000. Mas hoje, não, com todas as vênias de quem pensa de outra forma. O que vejo é excesso de demandas nos tribunais, em outros estados, mas principalmente no Rio de Janeiro, que não ocorre por causa de pessoas físicas consumidoras habituais e aventureiras. Quem está sendo demandado no juizado é a pessoa física ou é a jurídica? E por que são sempre as mesmas corporações? Logo, verifica-se que não existe indústria do dano moral. Isso é um mito”, enaltece.
Segundo Rodrigo Ferreira, essa forte tendência do Judiciário de rebaixar os casos de danos morais evidentes a meros aborrecimentos, tem de pano de fundo uma questão muito prática, ou seja, alguns grandes conglomerados empresariais acabam economizando muito dinheiro e reiterando práticas ofensivas ao direito do consumidor. “Aqui nós temos exemplos, como o caso da empresa OI, por exemplo, que está sempre figurando o ranking das mais demandadas empresas em desrespeitos ao consumidor e no entanto, ganha uma sala no Fórum para discutir acordos com os clientes, ou seja, para negociar um menor pagamento para essas pessoas que tiveram os seus direitos desrespeitados”, enaltece Rodrigo que ainda chama a atenção para outra modalidade a ser instituída no TJ com relação a soluções em conflitos, totalmente eletrônicas, dispensando a presença e a atuação de um advogado. “Além deste problema que teremos de agir energicamente, diante do receio de banalizar o dano moral, juízes vêm considerando problemas sérios do dia a dia como meros aborrecimentos. É certo que quem viaja de avião está sujeito a atrasos aéreos. No entanto, quando esses atrasos são significativos resta frustrada a expectativa do consumidor que, em relação a essa modalidade de transporte, é a rapidez”, explica o advogado.
“Ter um expressinho para determinadas empresas, fica muito mais barato do que produzir um produto melhor, prestar um bom serviço, corrigir práticas abusivas. Perde o cidadão e perde o Judiciário porque vai continuar atravancado de processos, pois as mesmas corporações vão continuar sendo acionadas, já que para elas é um grande lucro, em razão dos valores irrisórios fixados, especialmente nos pequenos juizados. Há o mesmo fenômeno nas varas cíveis. Não é tão ruim, mas acontece. Então, a minha opinião, que parece estar de acordo com o que a Ordem está entendendo, é que temos que combater a indústria do mero aborrecimento, procurar fazer que o valor fixado seja de acordo com o princípio básico que está na Constituição e precisa ser respeitado: o princípio da reparação integral”, complementa o Desembargador.
É certo que o comerciante tem sido mesmo uma espécie de herói, já que sobrevive num mundo de excesso de tributação, mas isso não lhe dá o direito, na condição de fornecedor de serviços ou de produtos, de confrontar o consumidor em seus direitos e garantias. A indenização por dano moral é hoje uma realidade indiscutível, consagrada que está no próprio texto constitucional. Em todo tipo de interação social, seja nas relações entre vizinhos, entre fornecedor e consumidor, no âmbito do trabalho ou em qualquer outro espaço de convívio social, podem ocorrer situações em que alguém se sinta desrespeitado em seus direitos. Para tal, não havendo condições para a solução amistosa do problema na relação negocial, a legislação prevê a possibilidade de provocação do Poder Judiciário para eventual incidência do dever de indenizar aquele que tenha sido ofendido em sua esfera moral, o chamado dano moral.
O medo de excesso de ações, como parte da justificativa do crescimento dos casos de mero aborrecimento, não se justificaria segundo o advogado Rodrigo Ferreira. Segundo ele, a conta é até simples, ou seja, quanto mais se nega o direito dos usuários, mais estes buscarão o judiciário e, consequentemente, mais sobrecarga ocorrerá. “Quando a empresa é condenada apenas em prestar o serviço que já deveria ter sido prestado contratualmente, se incentiva assim a continuar negando os direitos que os usuários possuem. Por vezes, quando o usuário requer indenização por danos morais, ou não tem seu pedido atendido, ou quando o tem se dá em valor irrisório se comparado ao faturamento que estas empresas possuem. Assim, parte dos magistrados faz uma inversão de valores, e acata, mesmo que implicitamente, a falácia argumentativa da "indústria do dano moral", lamenta Rodrigo que explica que o caráter educativo das penas não está sendo empregado. “O que se espera é que o judiciário faça o seu papel, que é também educativo, ou seja, condenar de forma a inibir que as empresas continuem a agir de má-fé, pensando somente no lucro, sem analisar a vida que está por trás daquele contrato”, finaliza Rodrigo.