Anderson Duarte
A água é mesmo a substância mais abundante no nosso planeta, sendo o Brasil possuidor de 12% do total mundial de águas doces e também o responsável pela produção de 53% deste recurso na América do Sul. Muito por conta disso fica difícil para o cidadão reconhecer que a escassez desse bem, aparentemente tão farto, é algo emergencial e que precisa ser discutido pela sociedade. Esta semana a cidade recebe a sétima edição do ECOB, ou Encontro Estadual de Comitês de Bacias Hidrográficas do Estado do Rio de Janeiro, uma grande oportunidade para debater a gestão compartilhada da água, divulgar programas e planos de ação em andamento, além da troca de experiências sobre recursos hídricos. Ao longo dos próximos dias serão palestras, visitas técnicas a áreas ambientais e a empresas de Teresópolis que investem em medidas sustentáveis, como o consumo responsável, o tratamento e a reutilização da água e o consumo consciente de energia. O evento tem como tema os “Rios Fluminenses: O que temos e o que queremos”. A programação é gratuita, aberta ao público, e também inclui mesas de debates, minicursos, apresentações de trabalhos científicos e palestras.
Cada edição do evento costuma pautar suas discussões em torno de um tema que esteja em alta na região e no Brasil. Este ano, os comitês tratarão sobre o enquadramento dos corpos de água em classes, uma meta de gestão que visa assegurar às águas qualidade compatível com os usos mais exigentes a que forem destinadas além de diminuir os custos de combate à poluição. A presidente do Comitê Piabanha, do qual Teresópolis faz parte, Rafaela Facchetti, conversou com nossa reportagem e explicou como o evento é importante, mas também como a sociedade teresopolitana precisa estar atenta ao processo de mudança que vai enfrentar nos próximos meses. Como é de conhecimento de boa parte da população, a Prefeitura abriu um processo de licitação para empresas que tenham interesse em assumir o serviço de coleta e tratamento de esgoto na cidade. Atualmente, o esgoto das casas e empresas, além das indústrias, é despejado diretamente nos rios pelas tubulações de água pluvial.
“Todo esse uso predatório gerou uma crise hídrica severa e que atinge aos mais ricos e também os mais pobres e é preciso que essa preocupação com a escassez não se dê apenas em termos quantitativos, mas principalmente qualitativos, já que os recursos hídricos têm sido utilizados de forma indiscriminada, sem se preocupar com o seu caráter finito, ou seja, temos uma falsa impressão que não tem fim, mas a qualidade da água que dispomos está cada vez pior. Aqui em Teresópolis o problema é ainda mais sério, já que não temos um centímetro sequer de esgoto sendo tratado, o que provoca ainda mais efeitos predatórios na qualidade da água que dispomos. Mas o município, e todos os moradores precisam se atentar a isso, tem uma excelente oportunidade de virar esse jogo, com o novo contrato que virá em breve é possível que se discuta e cobre ações mais enérgicas no setor e que beneficiem os cidadãos”, explica.
Rafaela lembra que no Brasil não se cobra pelo uso da água, mas sim pelos serviços de captação, tratamento, distribuição da água potável, bem como serviços de saneamento, que envolve a coleta de esgoto e manutenção da água, entre outros. “Por isso enfatizamos que no caso de Teresópolis é preciso muita discussão com relação ao novo modelo de exploração do serviço que teremos na cidade. A população precisa participar dessa negociação muito de perto, é preciso que tudo esteja muito claro no novo contrato e na nova proposta. É claro que caso uma empresa privada venha a assumir o serviço esse custo será muito mais alto para o cidadão, mesmo assim, é preciso que as contrapartidas da empresa estejam muito bem definidas para que essa diferença tenha como base um critério social de distribuição destes custos. A população precisa exigir essa resposta social, essa divisão de responsabilidades financeiras e as respostas da empresa que será escolhida na licitação, senão será um contrato unilateral e prejudicial à maioria da população”, explica Rafaela.
O discurso da terceirização como instrumento de aprimoramento também precisa ser mais bem discutido visto que não só de experiências positivas vive esse setor quando o assunto é a atuação de serviços privados. Em 1980, a onda neoliberal influenciou vários países a promoverem tais ações, tais como França, Espanha e Alemanha, e alguns experimentaram consequências desastrosas tais como aumento das tarifas, diminuição da qualidade da água, diminuição de investimentos no setor, bem como falência das empresas municipais, e ao redor do mundo, uma onda de remunicipalização tem devolvido às mãos públicas os serviços de água, na grande maioria das vezes, após décadas de má gestão privada. Ou seja, aquela que deveria ser uma solução prática para melhorar a qualidade do serviço pode se transformar muito rapidamente em dor de cabeça para o munícipe, já muito penalizado pela ausência de serviços públicos de qualidade.
Como lembrou Rafaela em nossa entrevista, o Fórum Fluminense de Comitês de Bacias Hidrográficas é uma instância colegiada formada pelos Comitês de Bacias Hidrográficas do Estado do Rio de Janeiro legalmente instituídos. Criado com a missão de articular a implementação e promover a integração e a gestão das águas nestes Comitês, o Fórum Fluminense visa o fortalecimento dos mesmos como entes do Sistema Estadual de Gerenciamento dos Recursos Hídricos. Outra missão assumida pelo Fórum é a articulação com outras instâncias de governança das águas, assumindo um importante papel no diálogo com o nível federal, e no fomento às discussões sobre a integração com o gerenciamento costeiro, assunto de grande relevância para um Estado com uma extensa faixa litorânea e oceânica. Fazem parte do Fórum Fluminense: o Comitê de Bacia Baía da Ilha Grande, o Comitê de Bacia Guandu, o Comitê de Bacia Médio Paraíba do Sul, o Comitê de Bacia Piabanha, o Comitê de Bacia Baía de Guanabara, o Comitê de Bacia Lagos São João, o Comitê de Bacia Rio Dois Rios, o Comitê de Bacia Macaé e das Ostras e o Comitê de Bacia Baixo Paraíba do Sul.