Wanderley Peres
Depois de complicados tratamentos de um câncer de pulmão e metástase no cérebro, que superou com sucesso, a consagrada jornalista Glória Maria morreu na manhã desta quinta-feira, 2, de novo tumor. Estava internada no hospital Copa Star, no Rio de Janeiro, e sua morte deixou triste o dia, muitos lembrando da sua personalidade forte e de sua brilhante carreira.
Movida pela curiosidade e pelo susto, como disse em entrevista, Glória Maria correu o mundo, mostrando mais de 100 países para o Globo Repórter, entrevistou chefes de Estado e celebridades, cobriu a Guerra das Malvinas, os Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996 e a Copa do Mundo em 1998.
De origem humilde, aluna de escolas púlbicas, filha do alfaiate Cosme Braga da Silva e da dona de casa Edna Alves Matta, na Globo, onde entrou em 1971, Glória Maria passou pelo Bom Dia Rio, RJTV, Jornal Hoje e Fantástico. Primeira repórter a entrar ao vivo e em cores no Jornal Nacional, estrela do Fantástico, referência no Globo Repórter… Ainda assim, a mulher de sucesso vivia o drama do racismo, que combateu com vigor, chegando a vir a Teresópolis para audiência no fórum da Comarca por conta de uma ação criminal que moveu contra um jornal local que escreveu texto depreciativo e preconceituoso obre ela.
Foi em março do ano 2000
O texto racista foi publicado no hebdomadário “Tribuna de Teresópolis” e acabou virando tema dos principais programas de rádio e televisão depois de ser denunciado o abuso no DIÁRIO DE TERESÓPOLIS.
“Até onde as nossas vistas alcançam, a locutora e apresentadora de algumas bobagens da Globo, Glória Maria….” O que mais escreveu o jornal é impublicável, “por tão chulos e absurdos, os termos usados da nota sequer podem ser reproduzidos”, como disse Haroldo de Andrade, em seu programa da rádio Globo. As manifestações dos colegas de Glória Maria foram ainda mais exaltadas, deixando claro, no entanto, que a manifestação era do jornal e não da população local, de gente simpática e agradável. “Apesar de séria, a questão nem precisaria ser levada adiante, já que é um jornal pequeno, sem expressão. Mas, todo grande jornal já foi pequeno um dia e o mal precisa ser cortado pela raiz. Não se admite que numa imprensa boa e séria como a de Teresópolis, que tem jornais e rádios de boa qualidade, surjam manifestações deste tipo, que mancham o nome da cidade, disse Haroldo de Andrade.
Por conta do crime de racismo, Glória Maria entrou com duas ações, cível contra a Tribuna e criminal contra os autores do texto. Qualificada como “neguinha e beiçuda”, o que por si só já caracterizaria crime, e disse muito mais o jornal, quase um ano depois, em janeiro de 2001, ocorreu a audiência criminal, no fórum da Comarca, atuando como advogado da Rede Globo o Dr. Jorge Bragança. Exatamente às 14h30min, o Juiz Criminal Paulo Tostes iniciou os trabalhos, que duraram exatos 10 minutos. Frente a frente, autor e réus não trocaram uma palavra. “Durante os poucos minutos em que esteve à frente do responsável maior pela matéria, Glória o olhou insistentemente, como se quisesse entender o porquê de tantas ofensas. Em momento algum o detrator olhou para a apresentadora. Depois de assinar o termo de audiência, os corajosos agressores se retiraram rapidamente do recinto, como que se não quisessem falar com alguém”, lembra o caso o jornalista Celso Avilla. “Esta não foi a primeira vez que fizeram isto comigo; há 20 anos também entrei na justiça, mas na época o assunto era tratado como contravenção, afirmou Glória Maria a O DIÁRIO. “Este senhor deve ter vergonha do que fez. Eu gostaria de olhar dentro dos olhos dele para tentar entender como uma pessoa consegue escrever aquilo tudo; quando alguém abaixa os olhos, está se escondendo de alguma coisa”, afirmou, deixando claro que pretendia levar a questão até as últimas consequências, até porque as afirmações foram injuriosas e difamatórias. “Quero ver este moço preso, na cadeia; se ele teve coragem para escrever, deve ter coragem para assumir as consequências”, disse. A Jornalista foi mais além, lembrando que o fato não foi o primeiro do gênero em sua carreira profissional. “Este senhor invadiu minha vida, machucou minha alma, mas não tenho medo de briga; já passei por situação semelhante e sei o que deve ser feito nestes casos”, concluiu.
Supostos autores do texto racista processaram O DIÁRIO por ter divulgado notícia sobre o crime que cometeram
A juíza de Direito Raquel Chrispino, titular do juizado especial adjunto cível da Comarca, rejeitou ação impetrada pelos assessores do ex-vereador Paulo Maia contra o jornal O DIÁRIO, onde os autores pediam indenização por ter o jornal noticiado que eles estavam sendo processados pela jornalista Glória Maria, repórter da tevê Globo, pivô de uma notícia pejorativa e de cunho racista publicada no semanário A Tribuna na edição de 10 de março do ano passado. A nota, que teria sido escrita a quatro mãos – pelo então vereador Paulo Maia e seu irmão Marcelo, e outros dois – motivou duas ações de Glória Maria, uma criminal na Comarca e outra cível, no Rio de Janeiro. Tendo, antes disso, virado tema de debate nas emissoras de rádio e tevê da capital, provocando manifestações de repúdio em toda a imprensa.
- “O réu não cometeu qualquer abuso em seu direito de informar à população dos fatos ocorridos, e que são de interesse público, diante da realização da audiência a respeito do processo em que os autores da ação respondem no juízo criminal em razão do artigo por eles escrito. Não há que se falar, pois, em ilícito cometido pelo réu, que agiu no exercício efetivo da liberdade de imprensa, não fazendo qualquer afirmação falsa, quanto mais quando o preconceito racial, de acordo com a análise da queixa crime que instrui a contestação, é o fundamento principal da ação penal privada que tramita junto à Vara Criminal da Comarca. Não se pode consignar a agressão sofrida pela repórter Glória Maria, bem como por todos aqueles que, lendo a publicação, ficam ainda hoje extasiados com a impropriedade dos termos utilizados e com o preconceito racial claramente externado no artigo. Se os autores da ação contra o jornal O DIÁRIO – réus na ação criminal – se sentem estigmatizados, este estigma foi causado por sua própria conduta. Não se pode falar o que se quer, agredindo a honra alheia, em um Estado Democrático de Direito, e esperar que não haja reação pelos segmentos sociais e pela população em geral” enfatizou a doutora Raquel.