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O DIÁRIO DE TERESÓPOLIS
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História de vida de teresopolitana inspira livro editado pela ATL

Além da capacidade de superação típica do brasileiro, Dona Therezinha guardou um segredo da família que ilustra um dos maiores problemas do país

Anderson Duarte

Existem milhões de histórias de vidas tocantes em nosso país, afinal, em uma nação onde apenas um por cento da população concentra mais da metade de todas as riquezas produzidas em todo território nacional, pouco se pode esperar de igualdade, dignidade e oportunidades de vida. Mas existem algumas destas trajetórias que nos sensibilizam em especial e nos fazem acreditar no poder da transformação social e da família. Dona Therezinha poderia ser apenas mais uma das milhões de brasileiras que venceram a adversidade e o preconceito de uma sociedade machista para prover sustento da família e criar seus filhos com dignidade, mas tem uma lição ainda mais importante para compartilhar, por isso, sua trajetória de vida virou a obra: “Eu, Therezinha: uma lição de vida”. O livro é editado com a ajuda da Academia Teresopolitana de Letras e leva o leitor a conhecer como uma folha de jornal que forrava o chão em uma faxina foi responsável por unir novamente uma família separada pela exploração de trabalho infantil.
A teresopolitana Therezinha Correa teve sua história de vida completamente alterada quando uma folha de jornal estampou uma oportunidade, pelo menos foi isso que representou aquela manchete para ela. “Nós tínhamos o costume de cobrir o chão da cozinha com jornais velhos depois que fazíamos a limpeza, justamente para conservar mais limpo. E eu sempre tinha o costume de ler aquilo que estava nas manchetes destes jornais. Mas em dia, depois do duro trabalho de limpeza da casa, eu me vi mais uma vez nesta situação quando uma destas manchetes me saltou aos olhos. Era o Prefeito de Teresópolis, na época o médico Flávio Bortoluzzi, convidando pessoas de teatro e cinema a participarem do festival de cinema realizado aqui na época. Eu não era de cinema, muito menos de teatro, mas entendia que aquela seria uma oportunidade de falar com o Prefeito da minha cidade, e quem sabe assim, conseguir encontrar minha família”, disse Dona Therezinha.
Mas para conhecer um pouco sobre como essa manchete virou uma esperança e como o prefeito de Teresópolis poderia ajudar a jovem Therezinha, precisamos voltar ao passado, ainda na década de 50, quando uma menina jovem de nosso município foi entregue a um casal de estrangeiros com a promessa feita aos familiares de que seria para ela uma oportunidade de vida que nunca teria se seguisse com seus pais biológicos. Pensando no bem dela, os pais passaram a guarda da jovem ao casal, que ao invés de promover crescimento pessoal, oferecer educação de qualidade, transformou a menina em uma empregada doméstica em regime de escravidão e subserviência. O problema pode até parecer algo muito alheio a nossa realidade, mas hoje, mais de sessenta anos depois, ainda temos inúmeros registros da mesma prática que vitimou Dona Therezinha. O trabalho infantil é uma questão séria e suas sequelas extrapolam as possibilidades de medidas remediativas.
Essa semana, um episódio divulgado pela grande imprensa mostra o quanto é comum ainda hoje esse tipo de violência. Uma empresária foi denunciada pelo Ministério Público Federal por ter submetido sua empregada doméstica a condições análogas à escravidão, em pleno Rio de Janeiro. De acordo com o MPF a patroa submeteu a funcionária "a jornada exaustiva" de trabalho, reduziu sua "liberdade de locomoção", impediu seu desligamento do serviço por conta de uma dívida contraída e chegou a obrigar a doméstica a passar sete dias sem se alimentar. De acordo com o documento, em 20 de dezembro de 2010, patroa e a empregada viajaram de Brasília para o Rio, onde a funcionária prestaria serviço e moraria na nova residência da empresária, em Copacabana, zona sul da capital fluminense. O trabalho em Brasília havia se dado por cerca de três meses antes da viagem. A doméstica alegou em depoimento na polícia que em 28 de dezembro daquele ano teve um problema de saúde não pode trabalhar por alguns dias por conta de uma febre e mal-estar. A patroa teria, então, ficado insatisfeita com a questão e aplicou uma suspensão de cinco dias à doméstica. A patroa trancou a funcionária na área de serviço, período no qual ela só bebeu água. Segundo a doméstica relatou em depoimento à polícia, a patroa teria dito que "se não podia trabalhar, também não poderia comer", além de afirmar que não receberia pelos dias não trabalhados. O crime é tipificado como trabalho análogo a escravidão e ainda admite algumas circunstâncias graves como a tortura.

– Um pedaço de papel no chão e a oportunidade que faltava

Dona Therezinha não esperou saber se daria certo ou não, e simplesmente, passou a escrever sua história de afastamento da família e submissão aos maus tratos e violências que sofrera, com a esperança de reencontrar sua família. A carta endereçada ao Dr. Flávio não só chegou ao seu destinatário, como também ganhou desdobramentos inimagináveis. Sua história fora estampada na primeira página do principal jornal da cidade de Teresópolis na época, fato esse que mobilizou as pessoas e sensibilizou muitos teresopolitanos que se viram obrigados a ajudar essa sofrida teresopolitana. Mesmo com tanta ajuda, mesmo com tanto empenho, Dona Therezinha ainda precisou ser muito forte para não perder as esperanças e se agarrou na fé para mudar sua vida. “Assim que consegui vir para a cidade, depois de tanto sacrifício, já que a família que me mantinha lá no Rio de Janeiro ainda tentou me esconder por um tempo, tive todo o apoio do prefeito e de pessoas muito boas que me ajudaram a encontrar meus familiares e futuramente construir uma própria, também possível por conta de tanto empenho e solidariedade”, lembrou emocionada a agora autora de livros Therezinha Correa.
Em entrevista ao programa Jornal Diário na TV, acompanhada pelo acadêmico Delmo Ferreira, Dona Therezinha ainda fez uma revelação: “Nenhum dos meus filhos conheciam essa etapa da minha vida. Eles vão conhecer esse episódio que sofri longe da minha família tantos anos agora a partir da leitura do meu livro”, emocionada disse. “Essa história não só me comoveu como me despertou a vontade de querer propagar essa trajetória de vida para o máximo possível de pessoas. A lição de vida que fala o título do livro não é apenas no seu sentido figurado, ela é literalmente uma lição a ser compreendida, vivida e até replicada para outras pessoas”, disse Delmo, ao destacar que a obra faz parte da vocação social da ATL e que espera que a secretaria de educação leve aos estudantes o livro como forma de conscientização sobre um mal tão devastador e ainda tão presente em nosso meio.
A obra traz uma síntese do problema vivido por Therezinha e desperta o quanto a desigualdade de renda, como o subemprego, a baixa escolaridade, a ausência de políticas públicas de seguridade social, faziam tão mal a sociedade brasileira na década de 50 e como ainda hoje, em pleno 2018, continua a desestruturar famílias, derrubar esperanças e facilitar a vida de quem quer transgredir e desrespeitar o outro. Os filhos Antonio Rogério, Rosana Cristina e Carlos Renato, e se estivesse aqui conosco, o seu falecido marido e saudoso “Garrucha”, teriam todo o motivo do mundo de já se sentirem orgulhosos da grande mulher que Therezinha sempre foi, mas hoje, depois de seu livro, vão precisar dividir um pouco desse orgulho com cada um de nós teresopolitanos que nos espelhamos na sua bela, tocante e exemplar trajetória de vida.

 

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Edição 23/11/2024
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