Da Redação
Ainda repercute na cidade a Chocoserra realizada no feriadão de Tiradentes, três semanas atrás. Criado ainda no século passado, no ano de 1997, o tradicional evento é tão cobiçado pelos turistas e interessa tanto aos comerciantes locais, e ao setor de hotelaria e gastronomia, que sua marca acabou virando objeto de desejo, revelando interesses inconfessáveis e expondo perigosa proximidade entre o público e o privado na administração municipal.
Para se ter uma ideia da promiscuidade no governo Vinícius, a Chocoserra ocorreu num próprio particular, o hotel-escola Alpina, onde espaços foram comercializados por terceiros num evento em que a Prefeitura arcou com os custos de som, luz, gerador, palco, artistas e estandes, em valores acima de 100 mil reais. No mesmo final de semana, a prefeitura cedeu a praça Nilo Peçanha, no Alto, para um evento onde particulares cobraram de terceiros pela utilização do espaço público, sem vantagens para a municipalidade, que arcou com as despesas de segurança e com o controle do trânsito, além do prejuízo que representa o impacto sobre o bem e sobre o ambiente que não é apropriado, repassando aos contribuintes os naturais ônus que representam a utilização de espaços que tem como fim o que é de interesse público e não o privado.
O que se faturou no evento comercializado na praça pública ninguém deu conta e a cidade não ficou com uma fatia sequer do dinheiro. De responsabilidade da prefeitura organizar, em se tratando de estar sendo realizado num espaço de todos nós, foi uma forma que a administração municipal arranjou de realizar um evento que visava a diversão popular com ávido interesse do público sem se estressar.
Quanto ao Chocoserra, os gastos somaram R$ 116.244,20 e o espaço teria sido emprestado sem custos ou obrigações. Teria ocorrido o recolhimento de R$ 600 de cada expositor para as despesas com decoração, do espaço e dos estandes, aluguel de doces decorativos, locação de mobiliário e de toalhas e lavagem diária de toalhas. “Esses R$ 600 de cada expositor incluem o pagamento do Certificado de Inspeção Sanitária, que foi quitado por meio de boleto”.
O fato da prefeitura ter gasto mais de R$ 100 mil com o Chocoserra não incomoda. Já se gastou até mais que isso em outros tempos, afinal esse custo reverte em benefícios para a economia local, aquecida com o atrativo da festa, portanto sendo do interesse de todos. “Com um público de 12 mil pessoas nos 4 dias do evento, o Chocoserra gerou em torno de R$ 300 mil em venda de produtos e 78 empregos indiretos. As 26 apresentações culturais locais incentivaram a cadeia produtiva da Cultura, movimentando a economia do município, que registrou 91% de ocupação hoteleira”, comemorou o governo.
O que se estranha é a prefeitura organizar um evento, custeá-lo, e terceiros cobrarem pela participação dos expositores nele, o que aparentemente ocorreu no Chocoserra. Embora os organizadores tenham justificado os gastos não cobertos com dinheiro público, expositores pagaram taxa de R$ 600 para participar do evento custeado com dinheiro público e o recurso apurado teria de ser auditado, afinal somente parte desse valor foi revertido para a municipalidade, via boleto, para “pagamento do Certificado de Inspeção Sanitária para a Prefeitura”, taxa que bem poderia ter sido abolida em se tratando da importância da festa para o município. Quanto foi apurado junto aos expositores? O que foi feito do dinheiro que terá sobrado? Pode ter sido pouco e pode até ter faltado dinheiro. Mas isso deveria ter sido registrado, afinal o evento é da cidade e não de particulares.
Mas, fosse apenas o problema da cobrança dos expositores, um outro fato surgiu. Cobiçada por organizadores de eventos íntimos da administração municipal, a marca do evento Chocoserra, que ocorre há mais de 20 anos em Teresópolis, foi registrada em nome de um particular, e da secretária da pasta responsável pela organização do evento, gerando grande buchicho e apreensão. O governo justifica: “Como o Município não deu andamento ao processo de registro do nome do evento, acabou perdendo a marca. Haviam outros produtores interessados em registrar o nome Chocoserra, então, para agilizar os procedimentos burocráticos, a secretária municipal de Cultura, que como servidora pública municipal participou da organização do evento em sua criação, em 1997, e trabalhou na sua promoção durante 12 anos, fez o registro e doou a marca Chocoserra para o Município, sem quaisquer ônus”.
O DIÁRIO procurou saber sobre a anunciada doação da marca, segundo a prefeitura feita no início do mês de março. Datado do dia 4, o documento assinado pela secretária Cleo Jordão, de fato, faz parte do processo administrativo de realização do evento, onde a marca registrada foi repassada à Prefeitura pelo período do registro, de dez anos. Segundo registrou a secretária, no ato oficial, “o registro em meu nome ocorreu apenas para assegurar a realização da Chocoserra com segurança e para que o município não perdesse a marca”.
Inglaserra, evento para particular ganhar
Sanada a questão da marca Chocoserra, devidamente de posse da municipalidade por força de doação do registro feito, outra marca virou notícia, também, na última semana. É o Inglaserra, evento que nem aconteceu ainda e já está registrado, em nome do ex-sub-secretário de Turismo, Fernando Rocha, que foi coordenador da campanha de eleição do prefeito Vinícius.
Como não é ainda um patrimônio palpável, afinal ele não teve edição alguma, a construção da marca “particular” vem sendo custeada com dinheiro público e o empenho de servidores municipais, entre eles o próprio prefeito, envolvido em buscar recursos junto à secretaria de Turismo do Estado, ou em buscar parcerias no Consulado da Inglaterra, como fez em meados do ano passado, desenvolvendo o nome, que já tem dono, configurando a promiscuidade entre o público e o privado.
“Tivemos por esses dias as mães reclamando de falta de creche, uma dizendo que precisa demais de uma vaga. Enquanto isso a cidade está virando uma propriedade privada. Que aconteçam as festas. Mas, desde que não se use dinheiro público para particulares ganharem dinheiro. Se os amigos do prefeito querem fazer evento, tem que gastar dinheiro deles não da prefeitura. Agora, o prefeito está buscando recursos para bancar uma marca que já tem dono”, reclamou o vereador Amorim. “A prefeitura sempre fez esses eventos, para a população. Agora empresas estão usando as praças, vendendo espaços públicos para vender bebidas, para particulares ganhar dinheiro. Uma firma particular ameaçando moradores para tirar o carro, 10 horas da noite, porque vai ter uma festa na praça”, disse Maurício Lopes. “É um jogo de cartas marcadas, é gol de mão. O prefeito já leva o organizador que vai faturar com o evento para buscar recursos, isso não pode estar certo. É carta marcada”, completou o vereador Marcos Rangel.