Wanderley Peres
As redes sociais comentaram bastante nesta quarta-feira, 5, a promessa do prefeito Vinícius Claussen, de impor ao teresopolitano a cobrança da taxa do lixo, todos achando um absurdo o despropositado anúncio quando nem onde vazar o lixo o prefeito tem mais, porque embora venha funcionando de forma precária, literalmente, o lixão do Fischer está encerrado pela justiça. Prevista no marco regulatório do saneamento básico, sendo possível a sua instituição sim, a cobrança depreende a existência da prestação do serviço após a implementação. Ou seja, a ação administrativa de realização da coleta e destinação de qualidade e a autorização do poder Legislativo para a cobrança, providências que o prefeito ainda não tomou.
“Qualquer taxa é contrapartida da prestação de um serviço. Se este inexiste, ilegal é a taxa. Vamos ao MPRJ”, postou no twiter o deputado Carlos Minc, relembrando que o caso do lixão de Teresópolis é um crime ambiental e tarifário.
Vereadores, a quem tem sido reclamada providência no sentido de não autorizar a taxa, também entendem que o serviço precisa ser planejado pelo governo municipal, e deve ser entendido o seu custo operacional, e medida com levantamento técnico, para equilibrada e justa cobrança dos diversos tipos de contribuintes municipais.
Diferente da taxa de energia elétrica, cobrança imposta consumo, todos contribuindo de forma razoável para a correta iluminação da cidade, claridade que beneficia a todos, sendo taxados a mais quem gasta mais energia, o que incentiva a economia, inclusive, a taxa do lixo deve ter outra medida, porque não seria justo quem produz pouco lixo pagar igual a quem produz muito. Indústrias, restaurantes, supermercados, comércios que descartam mais detritos, estes devem ter medidas as suas potencialidades de descarte para a cobrança justa, taxando-se menos quem pouco lixo produz, ou mesmo deixando de taxar quem, comprovadamente, não produz lixo algum. Uma boa lei, bem pensada e discutida de forma adequada com a sociedade, pode beneficiar, com isenção ou redução de valor, por exemplo, a quem entrega o lixo reciclado, contribuindo com a geração de renda dos catadores e beneficiando o planeta.
O anúncio de que vai cobrar o lixo, a afirmação de que vai cobrar, como se isso dependesse somente dele, foi feito pelo prefeito Vinícius nesta terça-feira, em entrevista, depois de encontro que teve, no Rio de Janeiro, com o secretário estadual de Meio Ambiente, vice-governador Thiago Pampolha.
Prefeito de um dos oito municípios do estado que ainda vazam o lixo clandestinamente, – o que já não ocorre em outros 84 municípios do estado – Vinícius foi obrigado, por decisão judicial, a encerrar o lixão, daí a reunião emergencial, que serviu para a mendigação do custeio do transbordo e da destinação do nosso lixo. A Secretaria estadual do Ambiente e Sustentabilidade do Rio de Janeiro, então, confirmou que vai ajudar na busca de uma solução visando a destinação ambiental adequada dos resíduos, avaliando o apoio ao município, por meio do Programa Compra de Lixo Tratado, que contribui para a meta de encerramento de lixões, ficando por conta do município o transbordo e coleta, além dos custos atrelados.
“Entendemos que o município tem fragilidade orçamentária e financeira, daí ainda existir o lixão, problema que é difícil de resolver sem ajuda, por isso continua por tantos anos. Vamos ajudar Teresópolis com recursos para o aterro, custeando cerca de 40 a 50% do valor, ficando o transbordo e os custos atrelados por conta do município. E vamos ajudar a todos os municípios que ainda se encontram nessa condição, para termos os 92 municípios do estado dentro da lei”, disse Thiago Pampolha.
Em entrevista, ao final da reunião, o prefeito aproveitou para anunciar que vai instituir a taxa do lixo a partir do ano que vem. “O município vai ter que aplicar a taxa de lixo, para o tratamento do resíduo urbano, e será feita a cobrança já a partir do ano que vem, ainda no primeiro semestre de 2024”, disse, afirmando que “é uma exigência de lei federal, que está prevista no marco do saneamento”. Em recesso, a Câmara Municipal só deve se pronunciar sobre a cobrança que o prefeito quer criar a partir do mês que vem, porque a taxa terá de ser aprovada pelos vereadores.
O CUSTO DA TAXA
Embora se apresente como a Taxa de Iluminação Pública, a famigerada TIP, tão criticada que trocaram seu nome da COSIP, “Contribuição [obrigatória] do Serviço de Iluminação Pública, a gula da Taxa do Lixo é bem maior. Basta ver os municípios onde ela foi implantada, em alguns representando cerca de 50% do valor do IPTU. Se você paga R$ 1 mil de imposto por ano, que é o custo médio do Imposto Territorial e Urbano em Teresópolis, pode pagar cerca de R$ 500 só de taxa de lixo, o que representa 10 ou 20 vezes mais que a COSIP.
Riscos dos lixões para as cidades
O engenheiro civil Renan Finamore, professor do Departamento de Recursos Hídricos e Meio Ambiente da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que há três formas de despejo do lixo, e a pior de todas é o lixão. “É basicamente lançar os resíduos no solo sem nenhuma preparação, sem nenhuma forma de impermeabilizar o solo, enfim, sem controle algum”, disse à Agência Brasil.
Outra forma de manejo do lixo, também inadequada, são os aterros controlados, que consistem em lixões cercados, o que permite minimamente controlar o acesso à área. Em alguns casos, existe infraestrutura para, ao menos, captar o chorume e o gás metano, elementos resultantes da decomposição do lixo.
A forma mais adequada e determinada pela PNRS são os aterros sanitários. “Um projeto de engenharia que, desde o início, é pensado para acondicionar os rejeitos. Protege-se o solo, que é impermeabilizado, e o material é coberto para não ficar a céu aberto”, explica Finamore.
A falta de aterros adequados expõe a saúde e a segurança de populações vizinhas. Além de inconvenientes como o mau cheiro, o professor aponta entre os principais riscos para a sociedade a contaminação do solo pelo chorume, que pode chegar ao lençol freático, o que deixa mais vulneráveis populações que consumem água de poço artesiano.
“Como os lixões não têm controle adequado, ali tem pilha, eletroeletrônico, metal pesado. Tudo isso tem potencial de atingir o lençol freático, fica exposto, inclusive, à chuva. Choveu, aquilo vai se misturar, e a água acaba carregando essas substâncias para outras áreas”, detalha o professor.
Outro perigo é a presença de animais, como cachorros, roedores, urubus e insetos, que agem como vetores para a transmissão de doenças aos seres humanos.
Nos lixões, diferentemente da situação nos aterros sanitários, a atividade de catadores ocorre sem controle, por exemplo, sem vigilância do uso de equipamentos de proteção individual. Isso leva uma dose de risco a esses trabalhadores, seja pelo contato com contaminantes, seja por lidarem com objetos cortantes e perfurantes.
O gás metano, resultante da decomposição do lixo, é mais um fator de perigo, por ser inflamável. “Por isso que o incêndio é um risco real em qualquer lixão”, alerta Finamore.
O professor Marcos Freitas, do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da UFRJ, aponta questões de insegurança ligadas ao uso do terreno. “Dependendo do volume estocado e da estabilidade da terra, há riscos de deslizamento e graves acidentes afetando populações do entorno e infraestruturas, como estradas, sobretudo, no período de chuvas mais intensas”, ressalta Freitas, que coordena o Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais. “Isso sem contar a poluição visual e perda de valor de propriedades urbanas e de interesse de turismo e lazer.”
Lixo como recurso
Os especialistas entrevistados concordam que a solução para o problema do destino final do lixo no país passa pela criação de mais aterros sanitários, que, além de mitigar impactos ao meio ambiente e à população, estimulam uma política de enxergar o lixo como um recurso, investindo em coleta seletiva e intensificando a reutilização de materiais e a reciclagem, o que, inclusive, aumenta a vida útil dos aterros sanitários.
“O que deve ser feito é a reduzir a geração de resíduos. O que pode ser reaproveitado precisa ser reaproveitado, o que pode ser reciclado deve ser reciclado. Quase metade da composição do resíduo sólido urbano é matéria orgânica de alimento. Poderia ser feita, por exemplo, compostagem para gerar adubo. Tem potencial para se tirar proveito”, ressalta Finamore, da Escola Politécnica da UFRJ.
Marcos Freitas destaca ainda o potencial de geração de energia, biogás, a partir dos rejeitos. “A Europa, a América do Norte e a Ásia avançam rapidamente nestas opções”, exemplifica.
Enquanto o Brasil corre contra o tempo para que cidades encontrem formas de dar um destino ambientalmente correto ao lixo, o levantamento da Abrelpe sobre destinação inadequada dos rejeitos faz o diagnóstico: “há uma carência de recursos para custear as operações do setor, o que afeta diretamente a execução, ampliação e modernização dos serviços”, expõe o estudo.
“Precisamos de investimentos nos sistemas logísticos, de investimentos para implantação das novas infraestruturas e principalmente de recursos para custear a operação de valorização dos resíduos”, diz Carlos Silva Filho, da ISWA. O PNRS prevê que todas as cidades cobrem uma taxa pelos serviços de manejo de resíduos, como forma de frear o excesso de lixo.
Passivo ambiental
Os lixões que forem desativados ainda precisarão ser cuidados por muito tempo pelas autoridades, para que não se tornem “um novo morro do Bumba”, tragédia que marcou Niterói em 2004, desmoronamento que que deixou 48 mortos.
Vira um passivo ambiental, e é necessário um gerenciamento daquela área para não permitir que vire um lugar de habitação. “Não recebe mais resíduos, mas a decomposição continua gerando metano. Você não pode construir nada ali em cima porque a estabilidade do terreno fica comprometida. É preciso monitorar por muitos anos ainda”, adverte.