Vladimir Platonow – Repórter da Agência Brasil Rio de Janeiro
O Ministério Público (MP) do Rio decidiu cobrar do governo do estado medidas de redução da letalidade policial no estado. De janeiro a agosto deste ano, houve 1.249 mortes em confrontos com a polícia, 16% a mais do que as 1.075 ocorridas no mesmo período de 2018, segundo dados divulgados por entidades de direitos humanos e especialistas em segurança pública, que se reuniram nesta terça-feira (8) com integrantes do MP para pedir uma posição mais firme da entidade sobre o assunto.
“Nós já expedimos ofícios aos secretários de Polícia Militar [coronel Rogério Figueiredo] e de Polícia Civil [delegado Marcos Vinícius de Almeida Braga] e ao governador [Wilson Witzel] cobrando providências que irão tomar para reduzir a letalidade policial no Rio de Janeiro. Eles terão 30 dias para ofertar uma resposta. Se esta não for apresentada, nós vamos reiterar com prazo menor. Não sendo apresentada, aí passamos para outra etapa, que é o poder de recomendar que se apresente um plano de redução dessa letalidade. E, se isso não for feito, vamos judicializar uma medida”, disse a promotora Andrea Amin, coordenadora do Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp) do MP.
Segundo a promotora, pesquisa recente divulgada pelo MP sobre a atuação das polícias no estado mostrou que não há uma relação direta entre aumento da letalidade policial e diminuição na taxa de crimes.
“Isto não restou comprovado pela pesquisa. Há uma variante muito grande. Em certa região, a polícia mata mais, e o homicídio diminui, o latrocínio diminui, mas outros crimes, não. Em outra, mata menos, e o crime diminui. Em outra, mata menos, e o crime aumenta. Ou seja, não existe um padrão linear. O discurso de que ‘estamos indo para o enfrentamento e isso necessariamente está levando a uma diminuição no número de roubos, homicídios etc’ não se sustenta numa análise de dados”, declarou Andrea Amin.
A diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil, Jurema Werneck, que acompanhou a reunião, alertou para o crescente número de mortes resultantes de confrontos envolvendo policiais.
“Nós vivemos uma grave crise de segurança pública, e os dados da letalidade policial só crescem e batem recorde no Rio de Janeiro. Nossa vinda ao MP foi demandar o cumprimento de sua missão constitucional. Apresentamos pontos para fazer com que o MP aja em tempo, para prevenir, resolver e coibir a retórica das autoridades públicas que parecem estimular mais a violência. Saímos com uma grande expectativa. O MP assumiu o compromisso de abrir canais de comunicação e acionamento [em casos de denúncias]. Esperamos que eles tomem medidas imediatas”, disse Jurema.
Chacina da Baixada
A líder comunitária Luciene Silva, integrante do grupo de Mães da Chacina da Baixada, ocorrida em março de 2005, com 29 pessoas mortas por policiais militares, disse que a violência na Baixada Fluminense é "invisibilizada" pela mídia e a sociedade, mas tem números altíssimos de mortos e desaparecidos. “A Baixada Fluminense sempre foi 'invisibilizada', e sempre ocorreu todo tipo de violações, afetando a vida principalmente de jovens negros e pobres das periferias e comunidades", disse Luciene.
Ela destacou a importância de cobrar do MP uma atitude com relação ao que ainda acontece na Baixada. "São desaparecimentos forçados de jovens e aumento das execuções, decorrentes de operações, ou não, direta ou indiretamente de forças policiais, nas quais o Estado é omisso e também responsável por isso”, acrescentou Luciene, mãe do jovem Rafael, um dos mortos na Chacina da Baixada, ocorrida em Nova Iguaçu e Queimados, cometida por um grupo de policiais revoltados contra o comandante de seu batalhão, que saíram a esmo pelas ruas, atirando contra população a inocente, na maior chacina da história do estado.
A especialista em segurança pública Sílvia Ramos, que também participou da reunião com os promotores, disse que não é mais necessário reunir dados para saber que mais de 1.500 pessoas foram mortas no ano passado pela polícia, só no estado do Rio.
"[Isso] significa um excesso para padrões em qualquer lugar do mundo. A polícia dos Estados Unidos matou, no ano passado, 800 pessoas, com 300 milhões de habitantes. E a polícia do Rio de Janeiro, com 17 milhões de habitantes, matou mais de 1.500. Nós colecionamos chacinas – foram seis ou sete no ano passado e neste. Não temos nenhuma denúncia do MP para essas chacinas. Quem acompanha isso? A própria polícia não investiga as chacinas policiais", afirmou Sílvia.
"Nós viemos ao MP pedir que ele seja mais atuante como órgão independente de controle externo da polícia. Confiamos que o MP possa e deva fazer isso. Nós estamos vivendo uma escalada de violência policial”, acrescentou.
Os participantes da reunião entregaram uma carta ao MP, com sugestões e reivindicações sobre o assunto.
Respostas
As secretarias de Polícia Militar e de Polícia Civil e o governo do Rio foram procurados para se pronunciar sobre as cobranças do MP sobre a letalidade das polícias. O governo do Rio respondeu que a política de segurança do estado é baseada em inteligência, investigação e aparelhamento das polícias Civil e Militar e que as operações têm como principal objetivo localizar criminosos e apreender armas e drogas, com protocolos rígidos de execução, sempre com a preocupação de preservar vidas.
“Todas as mortes decorrentes de intervenção de agente público são apuradas. Caso comprovado algum excesso, são aplicadas punições previstas em lei. Dados do ISP [Instituto de Segurança Pública] demonstram os resultados do esforço na política de segurança pública. Desde o início do ano, os números de homicídios dolosos e letalidade violenta caíram pelo oitavo mês consecutivo, quando comparados com o mesmo período do ano passado”, disse, em nota, o governo estadual.