Felipe Pontes – Repórter da Agência Brasil
O juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, determinou nesta quinta-feura (18) a transferência do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral da Cadeia Pública José Frederico Marques, na capital fluminenese, para o Complexo Médico-Penal de Pinhais, na região metropolitana de Curitiba.
Moro atendeu a pedido do Ministério Público Federal (MPF) que, após constatar a existência de regalias ao ex-governador no cárcere, decorrentes da ação de uma organização criminosa comandada por ele dentro da administração penitenciária, solicitou a transferência.
O magistrado de Curitiba afirmou ser “evidente” que Cabral ainda possui “relevantes conexões com autoridades públicas” do estado. “Mantendo-o no Rio de Janeiro, constituirá um verdadeiro desafio às autoridades prisionais ou de controle prevenir a ocorrência de irregularidades e privilégios”, escreveu Moro na decisão.
“É de interesse público retirá-lo do estado do Rio de Janeiro para romper ou dificultar seus contatos com os anteriores parceiros criminosos”, acrescentou Moro.
O pedido de transferência foi enviado a Moro por ele ter sido o primeiro a determinar a prisão preventiva de Cabral, em novembro de 2016. O ex-governador é investigado em Curitiba por ter sido acusado de receber propinas ligadas à Petrobras, em obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj).
Para efetivar a transferência, Moro solicitou a anuência do juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio, que já condenou Cabral por corrupção em outros casos e também expediu mandados de prisão preventiva contra o ex-governador. A juíza substituta Caroline Vieira Figueiredo, também da 7ª Vara, entretanto, já aceitou a transferência, a pedido do MPF.
Em sua decisão, a juíza Caroline Figueiredo destacou diversas regalias concedidas ao ex-governador, como a não inclusão da foto de Cabral no cadastro de detentos, a entrada de alimentos e de um colchão na cela do ex-governador e o recebimento de visitas fora dos horários previstos. “Os presos do ‘colarinho branco’ não podem, de forma nenhuma, ter tratamento mais benéfico que outros custodiados”, escreveu a magistrada.
Para a juíza, as falhas de monitoramento a Cabral “revelam verdadeiro escárnio com o Poder Judiciário, mas, principalmente, com a sociedade, demais detentos e suas famílias, violando o princípio da isonomia, não podendo qualquer condição financeira ou social justificar a ausência de controle do Estado”.
Cabral já foi denunciado cerca de 20 vezes pelo MPF, em diferentes investigações sobre esquemas de corrupção no período em que ele foi governador do Rio, entre 2007 e 2014.
Privilégios
Segundo informações do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, as investigações identificaram que, desde que ingressou no sistema penitenciário do Rio, “o ex-governador contou com a estruturação de diversos privilégios em torno de si, constituindo tratamento injustificadamente diferenciado, com ofensa aos princípios da legalidade, da impessoalidade e da moralidade”.
O Ministério Público ressalta que, em um de seus momentos mais significativos, o desrespeito às regras do presídio incluiu a tentativa de instalação de uma espécie de sala de cinema, dotada de equipamento de home theater e acervo de DVDs, supostamente doados por pastores evangélicos.
“Questionada, a Seap de princípio indicou que a doação teria partido de uma igreja evangélica devidamente cadastrada e se destinaria a ‘ressocialização’ dos detentos. Pouco depois, o pastor da referida igreja afirmou que não houvera doado equipamento algum”, diz nota do MP estadual.
Em decorrência das regalias a Cabral, os procuradores estaduais do Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaes/MPRJ) pediram o afastamento do secretário de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro, coronel Erir Ribeiro.
O MPRJ quer ainda o afastamento do subsecretário adjunto de gestão operacional da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap), Sauler Antônio Sakalen; do diretor e subdiretor da penitenciária Pedrolino Werling de Oliveira (Bangu VIII), respectivamente, Alex Lima de Carvalho e Fernando Lima de Farias; e do diretor e o subdiretor da Cadeia Pública José Frederico Marques (Cadeia Pública de Benfica), Fábio Ferraz Sodré e Nilton César Vieira da Silva.
Transferências
Trata-se da segunda vez que a transferência de Cabral foi determinada pela primeira instância da Justiça Federal. A primeira, do Rio para um presídio federal no Mato Groso, foi ordenada por Bretas em outubro do ano passado, após o MPF ter considerado como uma ameaça comentários feitos pelo ex-governador sobre a família do magistrado durante uma audiência.
A primeira transferência de Cabral acabou sendo revogada pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), após recurso da defesa.
Defesa de Cabral
O advogado Rodrigo Roca, que defende o ex-governador Sérgio Cabral, disse que amanhã (19) vai entrar com um recurso no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), no Rio de Janeiro, e também no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre, com a finalidade de impugnar a decisão tanto da juíza Caroline Vieira Figueiredo, substituta da 7ª Vara Federal do Rio, quanto a do juiz Sérgio Moro, titular da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba.
"É evidente que nós vamos impugnar a decisão, porque elas têm uma série de obstáculos ao seu cumprimento. A começar pela ausência de competência da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba para determinar medidas dessa natureza, uma vez que a causa lá em Curitiba já está sob o crivo de um órgão superior, que é o TRF4", disse Roca.
O advogado de defesa de Cabral disse que "talvez, pela primeira vez na história da Justiça Federal", dois juízes de seções judiciárias diferentes "deram as mãos" para cuidar da transferência de um detento. "Tudo que se relaciona ao ex-governador Sérgio Cabral é tudo muito inusitado, tudo potencializado, e a gente já está fora do convencional há muito tempo", avaliou.