Wanderley Peres
Programada para as 10h desta sexta-feira, 19, pelo Youtube, como queria e conseguiu o prefeito, apesar da grita da Câmara Municipal e o desagrado da população, a audiência pública de venda da água de Teresópolis ocorreu como se esperava, com os representantes da prefeitura enaltecendo as vantagens e a necessidade de se fazer a concessão. Iniciada com um pequeno atraso, havendo uma parada de uns 15 minutos, por “instabilidade” na internet, em momento que perguntas complexas foram apresentadas, a “audiência” pública contou com a presença, à mesa, do secretário de Meio Ambiente, Flávio Castro, e o secretário de Trabalho Emprego e Economia Solidária Lucas Guimarães, além do procurador-geral Palatinic, que dissecou a sentença da Justiça, de 2015.
Naturalmente, foi defendida a legalidade do processo em curso e as vantagens que representa ter na cidade uma nova empresa de exploração da água, concessão que permitirá a arrecadação de R$ 85 milhões por ano, mais que a metade do valor previsto para a outorga, anunciada por R$ 150 milhões. A arrecadação anual de R$ 85 milhões, aliás, é previsão que repete o faturamento da Cedae, no ano em curso, embora a companhia estadual aponte para perda de cerca de 25% desse total em inadimplência e pelo fato de não cobrar a conta de água dos prédios públicos, o que não ocorrerá com a empresa concedida, que deverá cobrar a água de escolas, postos de saúde, e demais prédios públicos, e ainda de moradores que utilizem poços, cobrando ainda dos moradores das cabeças de morro, que são servidos por borrachas pretas com águas de nascentes. As mangueiras serão cortadas e os hidrômetros instalados à força.
A previsão de arrecadação em R$ 85 milhões é o que mais preocupou o professor Rodrigo Koblitz. “O faturamento anual da Cedae é em torno de R$ 50 milhões e já se anuncia o valor de R$ 85 pela nova empresa. Entretanto, pela modelagem do PMI, a empresa vencedora precisaria arrecadar 85 milhoes por ano para talvez a partir daí dar conta dos investimentos. Esses R$ 30 milhões a mais vai sair do bolso do teresopolitano, então não há que se falar que a conta não vai aumentar. Vai aumentar e vai ficar salgada sim. Pior, o Edital prevê a possibilidade de alteração nas regras do contrato para possível ‘reequilíbrio econômico financeiro’, que pode ocorrer em diversas situações, como essa de arrecadar menos que o previsto. Ou seja, Todo o investimento prometido e tarifa apresentada pode ir por água abaixo se a empresa não arrecadar 85 milhões no ano. E já sabemos que ela só vai arrecadar isso se aumentar absurdamente a tarifa. Ou seja, ou ela aumentaria a tarifa ou faria os investimentos. A questão da tarifa social é outro ponto obscuro no contrato, porque as regras para o benefício praticamente impedem que alguém seja contemplado. “O valor baixinho proposto como uma conquista do governo é um engodo, porque ele não existe de fato, afinal as famílias dos nossos bairros carentes não se encaixam nele, e isso está claro na proposta de tarifa social para as moradias de até 60m2 de famílias no Cad Único. Nos bairros mais humildes, quase sempre são mais de duas ou três famílias num mesmo hidrômetro, então somando as moradias se ultrapassa essa metragem e ninguém será beneficiado”, disse, concluindo que o arrocho sobre os moradores que usam mangueiras pretas, que são cuidadas por moradores ou associações, porque é pacifico o uso, poderá implantar as milícias na exploração desse serviço a partir da concessão, o que é um caminho natural, porque os moradores das comunidades não vão pagar as contas nos valores exorbitantes quando as mangueiras forem cortadas e vamos abrir as portas para uma estrutura que ousa enfrentar o estado, no caso, para o fornecimento da água, a um preço justo, para o morador. “É muito ruim o futuro que nos aguarda se não combatermos essa concessão sem sentido porque uma autarquia resolveria bem a nossa necessidade. Mas certamente, manter a Cedae poderia ser uma ótima opção. A Cedae só não fez muito mais porque não tinha contrato”, disse.
Mostrando que domina bem o assunto, o procurador-geral Rafael Palatinic informou que o Contrato entre a Municipalidade e a Cedae não foi renovado em 1998, continuando a companhia em operação, daí a ação proposta pelo Ministério Público, que resultou na extinção do contrato, impedindo a continuidade da prestadora do serviço. “Nada impede que essa concessionária dispute o certame. Ela poderá participar da licitação”, garantiu. Sobre uma possível indenização à Cedae, como já foi levantado na Justiça, o procurador disse que “estão falando por aí”, sobre essa indenização, mas que a Cedae dificilmente teria o direito de ser indenizada por algum investimento ou ativo que teria para receber. “Essa é uma questão que parece simples, mas é um pouco mais complexa do que as pessoas entendem. Tem uma análise histórica e uma análise técnica e jurídica. Se é certo que o município tem que indenizar? Não, não é certo”, disse. Segundo o procurador, o contrato de concessão é muito antigo, e não existiria nele especificações do que seria feito com relação aos investimentos em relação às benfeitorias ao final do prazo da concessão expirada. “No curso do processo, a empresa foi chamada a se manifestar sobre possível indenização, então, nos autos é questão preclusa. A Cedae fala em 400 milhões, mas não existe uma composição de custos. O artigo de lei que é utilizado de indenização dos ativos é colocado na lei do marco legal em 2021, que fala sobre contratos ativos, em que há a troca da concessionária e é necessário indenizar pelo investimento da empresa, o que é justo”, disse, afirmando que a empresa, se entender que tem o direito, ela pode entrar com ação na justiça, mas que é muito difícil que tenha o direito de ser indenizada. “Não existe essa especificação em contrato e foi oportunizado em sede da ação judicial e a empresa não se manifestou. Uma empresa que ficou 30 anos e não prestou o serviço que deveria ter sido prestado, o que gerou uma indenização ao município. Não há que se falar em indenização”, concluiu.
Sobre a falta de participação popular, supostos indícios de corrupção no certame, e da natural falta de transparência de uma audiência pública feita sem público, realizada na comodidade da internet onde o inesperado se resolve com um apagão da internet, o chefe de Governo disse que as suspeitas de corrupção devem ser informadas ao e-ouve e ao Ministério Público, que são órgãos de controle, e que todas as informações que compõem o edital estão no site Saneamento para Todos. “Todo o processo foi analisado pelo Tribunal de Contas, pelo Ministério Público e pelo poder Judiciário. Teremos um ganho real com a concessão do serviço, que vai diminuir 10% no exercício do contrato; e o desconto da tarifa de esgoto, e a tarifa social, onde é estabelecido um desconto de até 80%”, garantiu secretário Lucas Guimarães.
Audiências “públicas”
Enjambrado em audiências públicas com público grande em espaço pequeno, ou em espaço grande sem sonorização adequada, e agora pela internet, em dia útil e em horário de trabalho, sendo impedida a ampla participação do povo em todos os momentos, o edital em elaboração para a concessão da água permitirá um contrato leonino, arranjado ao interesse da empresa que vai comprar a água de Teresópolis. E, assim, ao arrepio do necessário esclarecimento da população sobre o assunto, não importará mais depois que o contrato for assinado, cheio de cláusulas obscuras, porque os vereadores, o novo prefeito, ou mesmo a Justiça não poderão fazer nada, afinal a concessionária terá um contrato de 25 anos que foi concedido pelo prefeito em nome do povo que não participou das discussões para a sua confecção.
Fato é que os arranjos impediram o povo de participar das outras audiências públicas e o arranjo da audiência de internet em dia útil e em horário de trabalho, apesar da transmissão simultânea pela Diário Tevê, não permitiu que o povo participasse dessa derradeira audiência, que fechou a participação popular para a concessão da água.
Agora, é aguardar o que está por vir.