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O DIÁRIO DE TERESÓPOLIS
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“Como a picaretagem conquistou o mundo”

Sigo a comentar os livros que compõem as minhas estantes.

No dia 29 de outubro de 2006, eu completei 53 anos de idade. Seria dia de bastante alegria se Denise Frossard tivesse vencido Sérgio Cabral na disputa pelo governo do estado. Isso não aconteceu apesar de, com certeza, toda a sociedade carioca e fluminense, conhecesse, previamente, Sérgio Cabral e o poder dele de aprontar o que depois aprontou. Fazer o quê, né. O povo decidiu, decidido estava. Cabral foi eleito e premiado pela imprensa com o adjetivo de “Garoto do Rio” e por toda a sociedade como um sujeito complicado, mas que faz. Sabe como é, né?

Fui afogar as mágoas numa livraria e na entrada encontrei um livro que, pelo título, me confortou: “ Como a Picaretagem Conquistou o Mundo”. Comprei-o e pus-me a lê-lo, imediatamente. Olha, a obra de Francis Wheen deu-me mais, bem mais, do que eu esperava. Já a começar pelo complemento do título, que eu nem tinha percebido: “Equívocos da Modernidade”. A leitura reduziu o louco resultado da eleição em algo bem pequeno, quase insignificante, diante dos picaretas que encontrei página após página. O livro é agradável, é uma crítica mordaz bem-humorada à irracionalidade fantasiada de obviedade.

Francis aponta os picaretas modernos presentes nas seitas religiosas, nos mercados financeiros que têm base em especulação sem lastro, no pós-modernismo acadêmico (algo que o Brasil conhece de sobra pelo domínio dos malucos nas universidades) e os picaretas na política, gente que manipula a opinião pública. O livro denuncia a explosão do mercado de autoajuda como atos de picaretagem e faz o mesmo com a fé dogmática no mercado. No Capítulo 5, para mim, o mais rico, Francis cita a picaretagem no espiritualismo e na cultura de celebridades – influencers.

Sobre liberdade de expressão – algo polêmico hoje em dia – Wheen cita uma promessa do aiatolá Khomeini: “Numa entrevista ao jornal Ettelaat, o aiatolá denunciou a dança e o cinema como anti islâmicos e limitou as suas promessas de liberdade de expressão, excluindo, “aquilo que não for de interesse nacional”. Eita, tem gente por aqui, que defende exatamente a mesma coisa. Ao falar sobre o Iluminismo, Wheen cita Kant: “A imaturidade é a incapacidade de usar a própria compreensão sem a orientação de terceiros”. É como o poder nos vê, também por aqui, Brasil!

Depois Francis fala sobre os gurus da autoajuda e mostra gente tida como inteligente e racional que acompanha, com fé, toda essa bobagem. Margaret Thatcher e Reagan apanham bastante na obra. As universidades como elementos que castram a liberdade e o uso livre da inteligência estão presentes. A imprensa, de igual modo. Fukuyama e o tal do fim do mundo; as igrejas e a fé cega estão presentes.

Encerro com uma pérola, presente no capítulo “Os mercadores da demolição da realidade: “Eis, por exemplo, um trecho do teórico francês Gilles Deleuze: “ Em primeiro lugar, os eventos-singularidades correspondem a séries heterogêneas, organizadas num sistema que não é estável nem instável, mas “metaestável”, dotado de uma energia potencial na qual se distribuem as diferenças entre as séries(…). Em segundo lugar, as singularidades possuem um processo de auto-unificação sempre móvel e deslocado, na medida em que um elemento paradoxal atravessa as séries e as faz ressoar, envolvendo os pontos singulares correspondentes num único ponto aleatório e todas as emissões, todos os lances de dados, numa única jogada”.

Vejam o que diz Francis sobre o texto:

“Podemos passar horas fitando esse parágrafo e continuar sem entender nada. Podemos lê-lo de trás para a frente, decompô-lo nas orações que o constituem, ingerir drogas alucinógenas para ajudar a compreensão: ele continua a ser um palavrório ininteligível. No entanto, ninguém menos que Michel Foucault elogiou Deleuze como “um dos maiores dentre os grandes”, acrescentando que, “um dia, talvez, o século seja deleuziano”.

Francis continua: Embora boa parte do pós-modernismo possa ser um disparate, trata-se de um disparate com uma finalidade: ao usarem uma terminologia quase científica, os teólogos pós-modernistas pretenderam desacreditar a “objetividade” da própria ciência. O fato de nada saberem de matemática, física ou química não constituiu um obstáculo. Luce Irigaray, uma das grandes sacerdotisas do movimento, denunciou o E=mc2 de Einstein como uma “equação sexista”, uma vez que “ ela privilegia a velocidade da luz em detrimento de outras velocidades (menos masculinas) que são de uma necessidade vital para nós”. Num espírito similar, ela protestou contra o “privilégio da mecânica dos sólidos em relação à mecânica dos fluidos e, a rigor, (contra) a incapacidade da ciência para lidar com qualquer fluxo turbulento”, e atribuiu essa tendenciosidade à associação da fluidez com a feminilidade: “Enquanto os homens têm órgãos sexuais protuberantes e que se enrijecem, as mulheres têm aberturas por onde o sangue menstrual e os líquidos vaginais vazam.(…)”

O livro vale o tempo que se gasta com a leitura. Em resumo, nele estão o fundamentalismo, a cultura de auto-ajuda, a idolatria ao mercado, o relativismo intelectual, as crendices exploradas pela mídia e a manipulação política. Francis encerra pedindo um reencontro da humanidade com a razão, com o racional.

Jackson Vasconcellos

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Edição 21/06/2025
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