Olá, acho que você me conhece, mas gostaria de reiterar: me chamo Anderson Duarte, tenho 49 anos, sou jornalista, bacharel em Direito, dois filhos, um neto, e durante décadas estive aqui no Grupo Diário levando até você as notícias e os fatos que afetavam nosso dia-a-dia. Mas qual o motivo de me apresentar novamente a todos vocês? Simples, para debatermos um assunto muito importante e delicado, que assola o contexto conhecido pela Academia como “Infocalipse”.
Nos últimos anos, a proliferação de perfis supostamente noticiosos em redes sociais e aplicativos de mensagens tem despertado preocupação entre especialistas em comunicação, jornalistas e o próprio público. Em um ambiente já saturado por desinformação, cresce o número de canais que divulgam conteúdo com aparência jornalística, mas que ocultam a identidade de seus responsáveis e não assumem publicamente a autoria de suas postagens. Trata-se de uma prática que, embora amparada pela liberdade de expressão, levanta sérias questões sobre a ética, a credibilidade e os riscos que envolve.
Em plataformas como Instagram, Facebook e Telegram, é possível encontrar páginas que se apresentam como fontes confiáveis de informação local ou nacional. Usam linguagem jornalística, criam marcas e identidades visuais semelhantes às de veículos tradicionais, e atraem seguidores com a promessa de “notícias em tempo real” ou “informações exclusivas”. No entanto, não informam quem são seus editores, jornalistas ou responsáveis legais, o que é um sinal de alerta para qualquer leitor atento.
Credibilidade e transparência: pilares do jornalismo
A credibilidade é o principal ativo de qualquer veículo jornalístico. Ela é construída com base em princípios como a verificação dos fatos, a imparcialidade, o respeito ao contraditório e, sobretudo, a transparência. O público tem o direito de saber quem está por trás das informações que consome, quais interesses movem aquela linha editorial, quem são os profissionais envolvidos, e de que forma os conteúdos são apurados.
“A transparência sobre autoria e fontes é fundamental para que o leitor possa avaliar o grau de confiança da informação. Quando não há essa identificação, o risco de manipulação aumenta significativamente”, afirma a professora de jornalismo e ética da informação da UFRJ, Marina Salles. “O anonimato, nesse contexto, fragiliza o contrato de confiança que deve existir entre quem informa e quem é informado.”
Entre o sigilo e a irresponsabilidade
Defensores do anonimato alegam que, em determinados contextos, manter-se oculto é uma medida de segurança, sobretudo, em cenários de repressão, violência política ou censura. De fato, o jornalismo investigativo já recorreu, em casos específicos, ao sigilo como forma de proteção a fontes e repórteres.
No entanto, o cenário atual é outro. Muitos dos perfis que publicam conteúdo apócrifo atuam não sob ameaça, mas por conveniência. Usam o anonimato para evitar responsabilizações legais e éticas, seja por calúnia, difamação ou simplesmente por disseminar informações não verificadas. Sem um responsável identificado, torna-se difícil questionar, corrigir ou mesmo debater os conteúdos postados.
Riscos à democracia e ao debate público
O impacto dessa prática vai além do campo jornalístico. Ao alimentar a desconfiança generalizada nas fontes de informação, esses perfis contribuem para o fenômeno da “infocalipse”: um ambiente onde não se sabe mais o que é verdadeiro, confiável ou manipulador. Isso enfraquece o debate público e compromete o exercício da cidadania.
Além disso, ao se travestirem de veículos jornalísticos sem seguir os padrões da profissão, esses canais criam uma falsa equivalência entre informação e opinião, entre fato e boato. E, nesse cenário, a liberdade de imprensa, um dos pilares das democracias modernas, pode acabar confundida com a liberdade para desinformar.
O papel do público e das plataformas
Cabe ao público desenvolver um olhar crítico sobre o que consome, buscando fontes identificáveis, verificáveis e comprometidas com a verdade. As plataformas digitais, por sua vez, também têm responsabilidade nesse cenário. Criar mecanismos que favoreçam a transparência e penalizem a desinformação pode ser um caminho para preservar o espaço público digital.
Em tempos de crise da verdade, saber quem fala — e por que fala — é tão importante quanto o que está sendo dito. Até a próxima.