Em nossos tempos, as diferenças foram postas em questionamento. O diferente, o outro, nos estranha perante a nossa afirmação de positividade pelo igual. Quem não pensa como pensamos será categoricamente cancelado, sem dó nem piedade. Não gostamos do diferente, pois este parece diagnosticar nossas faltas e no anseio pelo igual salientamos nossas virtudes e o quanto nosso grupo é melhor.
Provavelmente, a religião tenha uma notória contribuição para essa visão, pois nos fez seres com essa percepção exclusivista e excludente. Como? Quando se adere a determinada religião, tornamos a nossa crença a portadora de uma verdade absoluta e, portanto, excluímos as demais. Deus é meu. Fala só com os mensageiros apresentados na minha tribuna, por isso, tudo na religião do outro está errado. Acredito que não é por que assumo determinada confissão religiosa que tudo o mais nas outras confissões estão erradas. Porém, gostamos da dialética, do embate ou mesmo o tal pensar cartesiano, se é isso não poder ser aquilo. Não arrogo aqui um relativismo, mas sim um perspectivismo. Portanto, o exclusivismo nos faz olhar para o outro de cima para baixo, com altivez, soberba, com as pretensões devidas de um egocêntrico.
Não será difícil diagnosticar um religioso dessa estirpe. Você pode achar que apenas o discurso dele já basta para reconhecê-lo, todavia, quero ir mais além. Apesar do discurso sinalizar com clareza um exclusivista religioso, no âmago dele está uma crença que o faz ser desse tipo, a religião da auto adoração. Todo exclusivista adora a si mesmo, assimilando as crenças que lhe favorecerão para esse culto a sua personalidade, por isso não espaço para o outro.
Acredito que alguns podem saltar metros após o que leram acima, porém não consigo perceber de outra forma. Um dos pontos caros para a teologia cristã é a Graça. Graça é o favor imerecido de Deus aos homens, por isso, a definição da tal nos garante que não há nada no mundo que possamos realizar em troca desse presente. É uma decisão dadivosa de Deus em direção a humanidade. A graça nos faz compreender nossa condição, o que a teologia chama de pecado original e Immanuel Kant de noção de mal radical. Seja no ponto teológico ou no filosófico, sabemos que não somos tão legais como achamos. Gente legal demais, legal o tempo todo, bom Ad infinitum é versado na arte da encenação.
A Graça, por sua vez, nos iguala. Coloca todo mundo no mesmo patamar. Por mais que saiba que não há nada de contraditório com o início desse texto, é de bom termo que não haja confusão sobre a animosidade que vigora em nossos tempos acerca do pensamento igual que desfavorece as diferenças e a igualdade que temos no exercício das nossas maldades e injustiças. Deus não contabiliza créditos e nem débitos. O filho prodigo quando se reencontra com o pai não está em menor escala que o filho mais velho que enumerou suas qualidades ao seu progenitor. Ambos estão no mesmo patamar.
A minha religião só desmerece a sua, pois está criou um deus a minha imagem e semelhança, portanto, o culto é ao meu ego. Cada combate empreitado, cada arma levantada, o discurso em vias do cancelamento do outro são simples e destacadas comprovações de minha auto adoração. Tudo que desestabiliza esse culto será aniquilado. Uma batalha dos deuses, o meu contra o seu. Não um monoteísmo, nem um politeísmo, mas um Henoteismo, onde cultuo a um Deus, porém a supremacia dele derrota os seus, os quais não ignoro que existam, porém são frágeis diante da potência do meu. O meu Eu.
O pensar diferente assusta, assombra, desestabiliza, desconforta, todavia, são os elementos da diversidade que fortalece e enriquece a identidade. O nosso reconhecimento perante a existência será positivamente transmutado pelo múltiplo e não pelo igual. Quando se deparar com as diferenças na sua frente não levante as armas, mas deguste, repense, enriqueça e se não for acrescentar vitalidade a si nem ao outro, apenas não adoeça ninguém.