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O DIÁRIO DE TERESÓPOLIS
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12 de Janeiro de 2011, uma data que não deveria ser esquecida

Mesmo após tantos anos passados, não há nada de novo.

Marcello Medeiros *

O relógio marcava 3h15 do dia 12 de janeiro de 2011 quando meu telefone tocou pela primeira vez naquela madrugada. Era uma amiga residente na Cascata do Imbuí perguntando se eu tinha um contato direto de alguém da Defesa Civil, visto que o local estava tomado pela água, de maneira nunca vista, e que ninguém estava conseguindo via 199 ou pedir ajuda diretamente ao Corpo de Bombeiros. Cerca de 10 minutos depois, começaram os contatos dos colegas de redação querendo saber como estava no meu bairro e já alertando que algo de muito ruim poderia acontecer diante do volume de chuva registrado até então em Teresópolis. Enquanto atendia uma dessas ligações acabei presenciando, da janela de casa, um grande deslizamento na Vila Muqui. Foi um barulho assustador, com o estalo das árvores e o muro de uma residência sendo derrubado logo a seguir. O som e as imagens nunca saíram da minha memória.

Quando o dia clareou, e eu já estava pronto para ir para campo, assim como outros colegas do jornal, vi que a situação era muito pior do que eu imaginava. Isso somente diante do triste quadro pintado da janela do meu quarto. Poucas horas depois, eu começaria a vivenciar o momento mais assustador da minha vida – e da história de Teresópolis.

Com a principal via da Muqui interditada por um grande deslizamento terra, tive que manobrar o carro e dar a volta por Paineiras, para acessar a Barra do Imbuí e voltar sentido Centro. Ali comecei a escutar histórias estranhas, como a que informava “que a barragem do Caleme havia rompido”. No meio desse trajeto, mais uma imagem impactante: o bairro do Espanhol cortado por grandes escorregamentos de terra. Dezenas de residências tinham desaparecido. Parei para registrar para o jornal e, imediatamente, comecei a pensar na quantidade de vidas perdidas nas últimas horas. Que dor.

Por volta das 6h já estávamos todos na redação do jornal O Diário e Diário TV, compilando as poucas informações que havíamos recebido até então e dividindo a equipe ao máximo para tentar chegar ao maior número de locais afetados. Ainda sem imaginar, eu iria para o bairro mais devastado naquela madrugada, Campo Grande. Na Cascata do Imbuí, encontramos um amigo desesperado, dizendo que precisava chegar ao local onde foi criado e seus pais ainda viviam. “Estão dizendo que morreu todo mundo e não estou conseguindo falar por telefone”, pontuou, com lágrimas nos olhos.

A cada metro percorrido na Estrada José Gomes da Costa Júnior, o cenário de guerra era ampliado. Residências e estabelecimentos comerciais em pedaços, carros penduras em portões ou dentro do rio, muitas pessoas chorando e, o pior de tudo, vários corpos espalhados nas calçadas ou despedaçados entre as pedras e árvores arrastadas pela enxurrada. Confesso que “travei” diante daquele cenário e não consegui registrar adequadamente o que estava diante dos meus olhos – mesmo com a experiência na cobertura de outras catástrofes naturais, como a chuva de dezembro de 2002 que matou 12 pessoas no Perpétuo. Era algo que nunca tinha visto e sequer imaginado. Um lugar que visitava com certa frequência, pelo trabalho ou atividades de lazer relacionadas ao montanhismo, havia desaparecido.

As lágrimas das pessoas que entrevistávamos ao longo do inacreditável caminho afetavam psicologicamente nossa equipe. Para os jornalistas de fora, sem nenhum laço afetivo ou conhecimento das regiões afetadas, profissionais que vieram aos montes horas depois e desapareceram nas semanas seguintes, assim que o assunto deixou de ser interessante, era um trabalho muito mais fácil. Campo Grande, Caleme, Posse, Arrieiro, Santa Rita, Vieira, Bonsucesso, Providência, Pessegueiros, Poço do Peixes, Espanhol… Quantos bairros e quantos teresopolitanos desapareceram ou receberam as inexplicáveis marcas da catástrofe e da dor.

“A MAIOR TRAGÉDIA”. Essa foi a primeira manchete que publicamos, no dia 13 de janeiro de 2011. Isso ainda tentando entender a dimensão da Tragédia. Nos dias, semanas e meses seguintes, continuamos a visitar os bairros, buscando ajudar pessoas que haviam sido vítimas direta ou indiretamente da força da natureza ou da incapacidade dos que foram eleitos para representa-las. Veio em seguida outra catástrofe, a política. Essa causou quase tantos problemas e mortes quantos os deslizamentos de terra ou enxurradas de proporções nunca vistas no país. Contamos muitas histórias de gente que não conseguiu se reerguer porque não teve ajuda de forma adequada ou, pior, se viu obrigada a aceitar o que não queria para tentar continuar sobrevivendo. Já parou para imaginar o que é ser criado no campo, com suas pequenas plantações ajudando na alimentação, seus animais e crianças brincando na terra e, de repente, ter que mudar para um espaço de menos de 40 metros quadrados?

O Parque Ermitage atendeu as necessidades de muita gente, mas não de todo mundo. Resolveu, inclusive, a vida de muitos que sequer sujaram seu pé na lama ou choraram o 12 de Janeiro. Até hoje há quem tente uma realidade diferente, seja pelo fato de não ter sido contemplado ou não aceitar o que lhe foi imposto.

Neste domingo completaram nove anos, 108 meses, 3.285 dias que Teresópolis mudou. Ou pelo menos deveria ter mudado. Nesse contínuo trabalho registrando a história do nosso município, infelizmente constatamos que, mesmo tendo vivido um capítulo negro, não aprendemos quase nada. Houve mudanças no sistema de alerta dos órgãos responsáveis e algumas obras, mas as margens de rios voltaram ou continuaram a ser ocupadas em vários bairros, as íngremes encostas ainda são opção de moradia e os políticos não mudaram, “mesmo sendo outros”. Não há nada de novo. O novo já nasce velho e a população, de modo geral, mesmo tendo sendo ferida naquela fatídica madrugada, parece não ter aprendido que tem grande força.

Os rios estão assoreados, inclusive aqueles que receberam obras faraônicas após a catástrofe, muitos bairros ainda têm marcas das enxurradas, pontes seguem improvisadas e colocando famílias em risco – vide a do Madrugada, interditada esta semana – e não há nenhum programa habitacional tendo como foco diminuir o número de pessoas vivendo em condições de extremo risco. Será que o 12 de Janeiro já foi apagado da memória do teresopolitano ou é mais fácil seguir em frente do que cobrar daqueles que deveriam ter como prioridade trabalhar por uma Teresópolis melhor? E não estou falando somente dos homens e mulheres hoje acomodados em cargos eletivos, pois é preciso que cada um faça sua parte para que as catástrofes – naturais ou políticas – não contribuam com outros capítulos tristes em nossa história.

* Marcello Medeiros é Repórter e Editor do Jornal O Diário de Teresópolis. Quando Teresópolis amanheceu incrédula e em lágrimas, em 12 de Janeiro de 2011, esteve na Cascata do Imbuí, Posse e Campo Grande. Nos dias, meses e anos seguintes, em praticamente todas as comunidades afetadas pela maior catástrofe natural do país 

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