Wanderley Peres
Produzida pela administração municipal, série de drama, com toque de picardia e suspense, e terror; abriu nova temporada nesta sexta-feira, 15, a novela do atendimento SUS em Teresópolis. Tem bandidos e mocinhos, e traição e decepção, como é normal numa boa novela. Tem juiz e advogado, e autoridades diversas, também, criando clima de suspense e decisões emocionantes… E ainda, covardia e maldade, estas reservadas aos milhares de coadjuvantes, a população, que faz o papel de figuração, e depende dos jogos de bastidores para conviver, ao menos razoavelmente, com a sua triste condição.
No final da tarde desta sexta-feira, antes que as demais partes envolvidas em ação de conciliação julgada no juízo da Primeira Vara Cível chegassem aos seus destinos; como ainda habita o prédio ao lado do fórum, o prefeito fez live para comemorar o seu novo feito: conseguir, mais uma vez, um acordo para que o Hospital das Clínicas voltasse a atender o público do SUS. Emocionado, o artista subiu o picadeiro e anunciou em tom de conquista que havia conseguido fechar o acordo, entre a Prefeitura e o HCT, e os serviços de saúde estavam restabelecidos, “todos, e a partir de agora”.
Desentendido sobre as dívidas que herdou e as que fez, o prefeito afirmou que conseguiu, enfim, entender as dívidas e as prestações de contas, e garantiu que o governo nunca se apropriou de repasses federais, como afirma a FESO, nem sabe das emendas parlamentares, como disseram os deputados, de resto culpando aqueles que teriam usado uma situação seríssima que é a saúde pública para fazer politicagem. “Conseguimos entender as dívidas, as prestações de contas, deixar claro que o município nunca se apropriou de forma indevida de repasses federais, emendas parlamentares, apesar de alguns agentes políticos tentarem usar uma situação seríssima que é a saúde pública para fazer politicagem, uma grande covardia com a população. Conseguimos uma audiência e conseguimos fechar um acordo, que a partir desse momento restabelece todos os serviços do HCT à cidade de Teresópolis. Mais uma vitória, e viva ao SUS”, é o inteiro teor da sua enganação.
Mantenedora do HCTCO, a Fundação Educacional Serra dos Órgãos confirmou o novo acordo, devidamente homologado em juízo como os demais não cumpridos, garantindo que retornaria o atendimento desde o dia 7 suspensos, já a partir desta sexta-feira, 15, com a retaguarda para a UPA. “Os atendimentos ambulatoriais, consultas, exames e cirurgias eletivas já retornam nesta segunda-feira, 18, cumprindo com o cronograma de quem já estava agendado. O setor de agendamento fará contato com os pacientes para reagendamento dos serviços que não foram realizados no período da paralisação”, disse em Nota a FESO.
ENTREVISTA A O DIÁRIO
Na manhã desta sexta-feira, 15, um pouco antes da audiência marcada pelo juízo da Comarca para as 14h e reagendada para as 15, o presidente da FESO, Luiz Eduardo Tostes e a diretora do Hospital das Clínicas Costantino Ottaviano, Rosane Costa, participaram do programa Debates, da Diário TV, contando sobre o imbróglio do atendimento SUS no HCT, paralisado desde o dia 7 de dezembro, a partir de decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que reverteu decisão do juízo da Comarca, que havia determinado o atendimento mesmo com a renitente inadimplência da administração municipal.
“Desde o dia 7, o hospital parou todas as consultas ambulatoriais do centro médico, exames, cirurgias eletivas e retaguarda à UPA, ficando mantida a urgência e emergência, na referência de trauma, obstetrícia e acidentes com animais peçonhentos, e também com os leitos de retaguarda funcionando. Foi necessária essa interrupção dos atendimentos eletivos, que não correm risco de morte, porque ficou inviável trabalhar sem receber, e isso compromete a existência do HCTCO, disse a gestora do hospital.
Presidente da FESO, Luiz Eduardo Tostes lembrou que a instituição veio para contribuir com a população de Teresópolis, trazendo ao jovem uma possibilidade de ascensão, socialmente, e de melhoria nas suas condições de vida e da família. “A FESO atua na educação, na saúde e na cultura, esse é o compromisso da nossa instituição, que emprega 2.300 funcionários, seletistas e na PJ. Tem uma folha mensal de R$ 11 milhões e meio, mais de 5 mil alunos, mais 1 mil funcionários no hospital… São números grandiosos de uma instituição de 50 anos, criada com o compromisso de ser comunitária, o que vimos honrando. Só em bolsas de estudos, gastamos 73 milhões de reais, e o conselho nos lembra e cobra, sempre, esse compromisso com a população”.
Para o médico, é uma falta de consideração sem tamanho o poder público não entender a importância da FESO para o desenvolvimento da cidade, apesar de tudo que ela contribui. “Ficamos abismados, indignados com o tratamento e os insistentes descumprimentos dos compromissos em relação aos contratos. Chegamos em dezembro com R$ 96 milhões a receber da Prefeitura. Isso é muito recurso até para a instituição como a nossa, colocando em risco o emprego dos funcionários, e também uma desconsideração com os médicos, enfermeiros, professores, alunos e funcionários da instituição, que contribuem com o engrandecimento do município”.
REPASSES
Segundo a gestora do HCTCO, a dívida se divide em duas partes, uma delas oriunda de verbas do governo federal. “Esse recurso é destinado ao hospital, mensalmente, conforme as metas de produção pactuados com o SUS, segundo a capacitada instalada de atendimento. Ela passa pelo fundo municipal de Saúde, porque o município é de gestão plena, e ela deve ser repassada ao hospital em até cinco dias, como manda a legislação do SUS. E a Prefeitura está retendo essa verba desde o mês de junho de 2023”, disse, lembrando que o Ministério da Saúde manda o recurso para o pagamento pactuado mensalmente e, trimestralmente, confere o cumprimento das metas, se cumpridas ou não, completando o recurso a mais ou se fazendo a devolução, ou se acertando o atendimento posterior.
OUTRAS DÍVIDAS
Além de confirmar ao DIÁRIO a retenção do repasse, que o prefeito negou e nega, a diretora do HCT lembrou que a Prefeitura tem uma dívida com a FESO de antes da atual gestão.
Havia uma dívida de antes da posse do Vinícius, contraída até julho de 2018, na ordem de R$ 27 milhões, por conta da confusão política de vários governos na prefeitura. “Essa situação trouxe uma grande dificuldade para a cidade e também para nós, culminando com a situação atual. Do momento que o atual prefeito assume, em 2018, até dezembro de 2023, a dívida evoluiu para R$ 96 milhões e meio. É um volume de recurso muito expressivo, e a dívida não aconteceu em alguns meses, mas ao longo de todo esse último governo, em toda a gestão do atual prefeito.
INDIGNAÇÃO
“Não se consegue compreender como um governo que se coloca de gestão qualificada pode deixar que a situação se deteriore a tal ponto. Em maio desse ano comunicamos que iriamos parar de atender, pelo risco que a inadimplência representava à instituição, e desde então vínhamos funcionando por conta de uma liminar da Justiça em Primeira Instância que foi revertida pela Feso no Tribunal. Essa decisão, recente, nos desobrigou de continuar atendendo sem receber, e se não atendêssemos nesse período, a multa estabelecida era de R$ 1 milhão dia, por isso continuamos com a porta aberta, mesmo sem ter as condições naturais dos prestadores de serviço que somos.
PRECATÓRIO
A dívida de antes da atual gestão, do tempo de Arlei e Tricano, é esse precatório, os R$ 27 milhões, que chegaram a mais de R$ 30 pela demora no pagamento, e foi necessária a execução, em 2022. “Essa foi, inclusive, uma contribuição da FESO ao novo governo, feita no ano passado, porque aceitamos não exigir, de imediato, esse pagamento de serviços feitos em outro governo, para que o atual prefeito tivesse tranquilidade de programar o seu compromisso, ficando para um futuro o recebimento desse valor atrasado, que é justo, porque se trata de atendimentos feitos, isso há quase dez anos, e que também não recebemos”.
DÍVIDA DE 60 MILHÕES
Em 2022, a dívida da Prefeitura com a FESO, antiga e atualizada, havia chegado em R$ 60 milhões. Então acordamos pela execução da parte da dívida passada e o parcelamento da dívida recente, que girava em cerca de 30 milhões, parcelando em 10 vezes de R$ 3 milhões, e a partir daí a Prefeitura teria a regularidade dos serviços e faria a regularidade dos pagamentos.
“Os 30 milhões não foram pagos, todo, tanto que só foi recebido agora, por ordem da Justiça, os 18 milhões e meio, e ao longo de 2023 se pagou muito pouco da outra dívida, chegando ela a R$ 96 milhões, deste valor 66 milhões de dívida só em 2022 e 2023. Depois da decisão do TJ, foi pago 18.5 milhões e continua uma dívida de 43 milhões, além do precatório, dívida jogada para o futuro, que um dia vamos receber”.
O CALOTE DA DÍVIDA
“Dos R$ 30 milhões de 2022, que fizemos um parcelamento dessa dívida em 10 vezes, foram pagas 4 parcelas apenas, e só agora, por determinação do Tribunal, foi feito o pagamento das 6 parcelas restantes, embora tenha sido um acordo firmado na Justiça.
O CONTRATO CURTO
“No final de 2022, quando viemos para a negociação do contrato de 2023, o que optamos é que esse contrato seria de 4 meses apenas, para a gente poder cumprir se os pagamentos fossem feitos, e esse contrato cobria somente até maio, quando pararíamos o atendimento. O contrato não foi cumprido e decidimos parar o atendimento, mas houve a decisão da justiça de que não podíamos parar, mesmo com o contrato não honrado, e agora veio a derrubada da decisão, permitindo a paralisação do atendimento e obrigando a Prefeitura ao pagamento do acordado na justiça, quanto à dívida de 2022”.
RETENÇÃO DE RECURSOS
“O financiamento da saúde se dá pelos entes federativos, município, estado e união, maior volume da União e do Município. A verba da união é um repasse para o hospital, vem do Ministério da Saúde para pagar os prestadores de serviço, usando a Prefeitura como ponte. Tem uma dívida de repasse para o hospital, desde o ano passado que não vinha sendo paga, chegando agora a R$ 8 milhões. Não é dinheiro da prefeitura, é do governo federal, que apenas passa pela prefeitura, e ela não pode usar em outras áreas da saúde porque é dinheiro para o hospital, para pagar pelos serviços prestados ou devolver pelo serviço que não prestou”.
QUEM PAGA O PREJUÍZO
A prefeitura estabelece a sua demanda e a gente define os custos. Quantas consultas, quantos exames, quantos atendimentos, e se chega a um valor por cada serviço. O que a prefeitura nos paga é muito inferior ao custo do hospital. O nosso hospital custa cerca de R$ 6 milhões e meio por mês e a Prefeitura nos paga R$ 5 milhões e 700 mil, menos 1 milhão do que recebe em serviços. Então, a FESO, que contribui na área da Educação e da Cultura, e é a mantenedora do Hospital, coloca quase 1 milhão por mês no hospital. Isso é uma contribuição enorme, e faz isso porque se compreende a dificuldade do município e precisamos ter uma rede qualificada de saúde, porque somos formadores de saúde, e a rede SUS precisa ser eficiente no município.
ENGANAÇÃO
“A outra questão é que se faz uma narrativa com a finalidade de confundir a população, como essa do prefeito dizer que pagou R$ 50 milhões a FESO só esse ano. Não importa o volume, importa o serviço contratado e o custo da saúde é alto, e é feito com vários recursos, dos entes federativos. Se a gente recebe abaixo do custo do hospital, significa dizer que não sai do dinheiro do hospital lucro algum para a FESO, justamente ela que custeia o recurso que falta no atendimento ao SUS.
PROGRESSO DA FESO
“Tudo isso que se vê de realização no Hospital das Clínicas Costantino Ottaviano, não tem um centavo de dinheiro público, nem da Prefeitura. Todo esse progresso é o resultado operacional da FESO e a prestação dos seus diversos serviços nas suas demais áreas de atuação”.
R$ 7 MILHÕES DA PANDEMIA
“Na pandemia, fomos chamados ao gabinete e o prefeito estava preocupado. E, mesmo com as dificuldades para receber o devido pelos serviços prestados e pela dívida que continuava não sendo paga, e aumentando, atendemos quase que plenamente a demanda da Covid no município. E ficamos sem receber R$ 7 milhões, que colaborou para formar a atual dívida.
OS R$ 51 MILHÕES
Sobre os 53 milhões, do governo Witzel, que foram mandados para Teresópolis honrar as dívidas passadas, e o prefeito afirmou em lives que usou o dinheiro para “pagar as dívidas passadas”, os entrevistados disseram não ter visto a cor do dinheiro, que o prefeito propagandeou como dinheiro para a quitar as dívidas com os hospitais, que só aumentou desde então. “A FESO desde 2020 para cá vem recebendo muito aquém do contrato. As alegações é que o Estado não repassava o dinheiro”.
LEITOS CTI
“Na pandemia, o prefeito disse que aumentou a quantidade de 30 leitos no HCT. Mas, quantas diárias desses leitos ele pagou? Nenhuma. O contrato do CTI feito em fevereiro de 2022 só foi recebido agora por ordem judicial. Não houve pagamento espontâneo”.
RENOVAÇÃO
Para 2024, o Hospital das Clínicas não tem um contrato a partir de 1º de janeiro. A instituição foi chamada para a assinatura de um contrato em 30 de novembro, e se recusou a ele, não comparecendo à reunião, porque não tinha como o HCT acreditar em quem não pagava o que havia sido negociado, afinal, só se admite renovar um contrato se a dívida anterior tiver sido cumprida. “Se não temos o contrato, não sabemos como vamos ficar no ano que vem. Estamos atendendo a urgência e emergência até 31 de dezembro [e depois do acordo feito nesta sexta-feira, 15, serão feitos, também os demais atendimentos], porque isso tem custo e não temos como bancar esse atendimento sem o pagamento das dívidas acumuladas. Depois do dia 31, se não tiver uma solução para a dívida e uma renovação de contrato, a gente não tem condições de continuar com o atendimento, mesmo a urgência e emergência. E isso está na decisão da Desembargadora do TJ, que determinou ao prefeito o pagamento e o direito do HCT de não atender o SUS se não for paga a dívida passada”.
DECEPÇÃO DE UM
“Sempre tivemos uma postura colaborativa com a Prefeitura. Nós gostamos do candidato. É bonita a fala, é inteligente, e toca em pontos importantes, como a questão da arrecadação, para os investimentos necessários na cidade. No discurso da campanha o candidato Vinicius dizia que a sua prioridade era a saúde. Mas a gente percebe que isso era só falação política, e isso nos chateia porque acreditamos. Como pode tentar enganar as instituições e a população num discurso para confundir. Faz parecer que está tudo bem, tudo maravilhoso, um esforço da Prefeitura para resolver os problemas, quando na verdade o esforço é dos outros, para que o caos não se instalasse, e não recebemos por isso”, disse o presidente da FESO.
DECEPÇÃO DE OUTRO
“Sobre a gestão, fiquei extremamente decepcionada, porque acreditamos, e acreditei, no novo prefeito. Jovem, administrador. E o slogan era de que Teresópolis tinha dinheiro não tinha era gestão. Então se a gente acreditou num gestor novo, comemorei a vitória, mas estou decepcionada porque o discurso é uma falácia, porque o prefeito desrespeita a instituição e, por consequência a população. Os prefeitos saem, e já saíram vários, mas as instituições ficam”, falou a diretora do HCT.