Leonardo Figueiredo Barbosa
É interessante e lastimável observar como a maioria dos cidadãos de nosso país dá pouca importância ao funcionamento do Poder Judiciário. É bem verdade que esta falta de interesse não ocorre exclusivamente em relação a este poder, padecemos de uma falta de interesse por debater aprofundadamente assuntos mais sérios – e estas duas questões estão significativamente relacionadas, como esta coluna tentará demonstrar.
Caso você tenha alguma dúvida sobre o descaso que demonstramos com assuntos de extrema relevância social, faça um teste: pergunte a um familiar, vizinho, colega de trabalho – ou qualquer pessoa com quem tenha uma relação mais próxima – qual é a opinião (e os motivos, razões e justificativas que fundamentam tal opinião) dela sobre os seguintes assuntos: o que pode ou não ser caracterizado como racismo? A Lei da Anistia – que anistiou os crimes políticos ou conexos durante o período da ditadura militar – deve ser aplicada mesmo em casos de tortura? É possível o casamento entre pessoas do mesmo sexo? Pode uma gestante interromper a gravidez em caso de anencefalia do feto? Pessoas jurídicas podem fazer doações para as campanhas eleitorais? Pode-se alterar o gênero no registro civil?
A ideia não é que as pessoas conheçam as questões legais ou éticas envolvidas, mas tão somente que possam dar sua opinião sobre estas questões, desde que de forma argumentativa, buscando convencer seu interlocutor de que existe racionalidade ou razoabilidade em seu ponto de vista.
Talvez alguns até se aventurem a opinar sobre determinados temas, mas nem sempre – seja pela consciência de que nunca refletiu sobre qualquer destes assuntos, pela vergonha de expor a opinião à crítica alheia ou por simples e puro desinteresse, um número expressivo se demonstrará perplexo com a simples iniciativa de conversa com tais tópicos. Mas a situação piora substancialmente se você questionar os fundamentos da eventual opinião emitida. Dos poucos que talvez opinem sobre estes assuntos, boa parte dificilmente terá o interesse, vontade ou qualquer outra característica que possamos apontar, de buscar indicar porque sua opinião é adequada e deveria ser considerada. Aqui, pode-se chegar ao limite da completa ausência de fundamento e de sentido de nossas opiniões, pois, identificando-se com uma propaganda de cerveja, muitos se satisfazem com um lacônico “porque sim!”.
É evidente que num país onde ainda não conseguimos ensinar conhecimentos básicos a boa parte de nossos cidadãos, não é razoável esperar que as pessoas tenham a oportunidade para desenvolver argumentação sobre temas complexos de política e direito. Mas se enganam aqueles que pensam que existe uma relação necessária entre a capacidade de opinar de forma razoável e o nível educacional. Muitas vezes, pessoas com excelente nível educacional (formal), não demonstram o menor interesse em questões que, supostamente, envolvem o interesse de toda a sociedade.
Mas qual a relação relevante entre este desinteresse e o funcionamento do Poder Judiciário: vivemos um momento em nosso país onde fatores como a busca por justiça social; as reivindicações de efetivação de direitos individuais, coletivos ou de segmentos sociais específicos; diversas disputas que colocam em conflito interesses públicos e/ou privados e outras questões de grande complexidade moral ou política têm desaguado com maior frequência e intensidade nas mãos dos juízes.
Todas as perguntas formuladas anteriormente foram decididas pelo Poder Judiciário brasileiro, ao longo dos últimos dez anos, gerando deveres para o cidadão e o Estado com repercussões relevantes do ponto de vista político, social ou moral. Ou seja, onde nós cidadãos – e nossos representantes democraticamente eleitos – nos omitimos em debater e definir as escolhas políticas, nossos magistrados decidem por nós!
E aqui é onde o problema se agrava: de um lado, não temos a cultura de debater as diferentes opiniões e argumentos sobre estes e diversos outros assuntos; de outro lado, não conhecemos o funcionamento dos órgãos estatais responsáveis por determinar as regras que incidirão em nossas vidas.
Entender “como” os juízes decidem, bem como a estrutura e o funcionamento do Judiciário são questões essenciais para um Estado Democrático de Direito, onde o poder estatal deve ser limitado pelo próprio ordenamento jurídico e onde estas autoridades têm o dever de fundamentar suas decisões.
* Leonardo Figueiredo Barbosa é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais, mestre em Filosofia, mestre em Direito, doutor em Filosofia, professor e coordenador do curso de Direito do UNIFESO. E-mail: leonardo.unifeso@gmail.com