Luiz Bandeira
Essa semana, na qual se completa 11 anos da Tragédia que castigou a Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro, é inevitável recordar tristes e marcantes histórias que resultaram em perdas irreparáveis de vidas, patrimônio que foram totalmente ou parcialmente destruídos e do trauma causado em quem sofre até hoje os efeitos dos momentos de pânico, resultado das fortes chuvas daquele 12 de janeiro. Porém, não há história mais fantástica para ser contada, entre tudo o que aconteceu nos momentos que se sucederam, do que do resgate de Marcelo Fonseca, que ficou 16 horas debaixo de toneladas de escombros de um deslizamento de terra no bairro do Espanhol, onde pelo menos dezenas de casas foram destruídas. É óbvio que devemos lembrar das muitas vidas que foram interrompidas neste deslizamento, e aqui prestamos nossa homenagem aos familiares que sofrem até hoje por essa perda, mas agora nós queremos relembrar o heroísmo e o esforço sobrenatural das pessoas que não desistiram de encontrar Marcelo. E ninguém melhor do que o próprio sobrevivente para relatar o que viveu na fatídica madrugada.
Nesta quinta-feira, 13, voltamos até o local onde residia a irmã mais nova de Marcelo Fonseca, na Rua Políbio Raposo de Rezende, onde atualmente existe uma grande área desabitada com algumas partes de casas destruídas na Tragédia. Na ocasião ele morava com os pais em Pimenteiras, mas, para fazer um favor, se dispôs a dormir na casa da irmã, que iria viajar em férias, para cuidar do cachorro dela recém operado. “Eu acordei por volta de duas, duas e dez da manhã, por que minha irmã falou que o cachorro tinha medo de chuva, eu acordei com ele arranhado a porta, fui abrir a porta e entrou água. A casa ficava a dois metros e meio do muro, então eu ficava tranquilo, em volta dela tinha um quintal, eu nunca imaginava descer o morro, né? E foi isso que aconteceu”, lembra. Ele não se preocupou com a possibilidade de queda de barreira, pois não via indícios aparentes, mas o inesperado acabou acontecendo. “Desceram, só nesse local, 16 casas, dois carros, duas motos e uma rua de 50 metros, tudo em cima da casa. Eu estava na varanda quando a mão de ‘papai do céu’ me levantou e me jogou um metro e meio, dois metros e foi onde eu fiquei seguro”, recorda Marcelo, que descreveu ainda a posição que ficou por todo o tempo que aguardava o resgate. “A minha cabeça se movimentava, mas ela também estava coberta, por que foram quatro metros de entulhos a cima de mim… Passa-se um filme da sua vida na tua frente, eu lembrei do meu filho, lembrei dos meus pais, lembrei da minha esposa e lembrei de um monte de gente, muito coisa que gostaria de ter feito e que não fiz”, relata emocionado o sobrevivente da Tragédia.
Silêncio, solidão e medo
Marcelo relembra que tudo estava escuro e que deve ter ficado ao menos seis horas sozinho, sem ouvir nenhuma movimentação para resgata-lo. “Eu estava gritando socorro desde quando eu fiquei soterrado, de repente comecei a ouvir vozes e o pessoal falava em eco e aquilo me dava uma aflição muito grande, eu falava – ‘Gente eu estou aqui’, e era a mesma coisa que nada”, conta, lembrando que ninguém o ouvia pois estava virado para baixo, com o rosto encostado em uma parede e com todo o entulho sobre ele, por isso sua voz não era ouvida. No relato impressionante do resgate, Marcelo lembra que no espaço em que ficou preso era possível respirar pois havia um bolsão de ar. “Eu não posso dizer que ele era pequenininho ou grande, só sei dizer que tinha um bolsão ali de ar e através daquele bolsão eu estava respirando. Descia uma água aqui assim, (pelo rosto) eu tentei beber a água, mas não consegui e de repente a água veio subindo e pensei, não morri de um jeito vou morrer de outro, pensei em me mexer, tentei mexer os braços, não me mexia, com as costas não me mexia, com as pernas não mexia, encolhi a barriga e a água desceu, aí me deu uma dor muito grande parecendo que estivesse enfiando uma faca na minha barriga, por que eu tinha quebrado uma costela e não sabia”, descreve Marcelo.
O resgate
Nós questionamos o sobrevivente como foi o momento que ele foi achado pelas pessoas que o procuravam. “Tinha um trator que furou o pneu e desligaram o trator, nisso apareceram duas pedras na minha mão, eu arranhei com as pedras uma parede que estava na minha frente e ouvi quando as pessoas pediram silencio, ouvi também quando disseram ‘O Marcelo não está ali, ele está aqui’. Conseguiram me achar era por volta de uma hora da tarde”. Nessa hora um agente da Defesa Civil, o Subtenente Nascimento, fez o contato com ele através da luz de uma lanterna. “Ele perguntou: Você está vendo a luz da lanterna? Eu respondi que sim e ele respondeu de volta que só sairia dali comigo. Puseram um cilindro de oxigênio grande e injetaram no buraco, pois havia o temor de que o ar estivesse saturado e realmente estava”, destaca.
Marcelo diz que não tem traumas decorrentes do que passou, não tem problema com chuvas, trovões e que fica tranquilo em eventos climáticos extremos, a única coisa da Tragédia que ainda lhe causa tristeza é ver os esqueletos de casas que não foram demolidas na cidade que ele classifica como uma das mais belas do país. Sobre as pessoas que ocuparam casa interditadas por técnicos da Defesa Civil, Marcelo faz um alerta. “Não façam isso, eu sei que muita das vezes é necessário, porque a economia está difícil, mas não façam isso pois vocês estão pondo a vida de vocês em risco, por que se a Defesa Civil, se os Bombeiros, se alguém chegou e disse que não tem condições de morar, não more por que pode acontecer alguma coisa, pode haver uma triste fatalidade não só para uma pessoas mas uma família inteira pode ir de grota realmente”, pontuou o sobrevivente do Espanhol, conhecido pelos amigos como “Marcelinho”.