Wanderley Peres
A notícia de que a Prefeitura de Teresópolis estaria contratando de uma igreja em Belo Horizonte cursos de coaching para os alunos da rede municipal ganhou as páginas de internet nos últimos dias com ares de verdade, obrigando o prefeito a se manifestar sobre o assunto. A história não seria como estava sendo contada. O que vem sendo postado e comentado seria uma “manipulação da verdade”, definiu Vinícius, que não deu a sua versão dos fatos, preferindo propagandear supostas ações administrativas na área da educação como investimentos em robótica, gamificação e programação de sistemas nas escolas públicas municipais, que seriam 97 unidades, contando as que estão fechadas por falta de condições de uso.
Sobre os cursos, que custarão, de fato, R$ 8 milhões 791 mil 64 reais e 40 centavos, disse que o “Mini Mega Leitor”, esse é o nome de um dos cursos, vai entregar livros para 12 mil alunos da Pré-Escolar I ao 5.o ano, mais atividades extras e treinamento de professores, ao custo unitário de R$ 33,00 por estudante, e o “Jornada Ser”, nome do outro, custará R$ 36,94 a unidade, se prestando ao “desenvolvimento sócio-emocional e saúde mental dos alunos”, oferecendo ainda material de apoio.
“Mais uma tentativa de desgastar a nossa gestão vindo daqueles que trabalham dia e noite para espalhar o atraso e a desinformação. Enquanto eles tentam destruir, nós seguimos construindo. Na mesma lógica dos outros ataques, a cada novo investimento anunciado, surge uma nova agressão. Dessa vez, atacam mais dois investimentos importantes que estamos fazendo na nossa Educação. Estamos falando de uma rede municipal com 97 escolas e cerca de 22 mil alunos. Essa é a dimensão da nossa educação. As nossas crianças merecem muito mais, não vamos parar por aí! Em breve, teremos robótica, gamificação e programação de sistemas nas escolas públicas de Teresópolis”.
Como parece absurda demais para ser verdade, mesmo uma “verdade manipulada”, e o prefeito não deu clara versão dos fatos, O DIÁRIO apurou a informação para o esclarecimento do leitor. Realmente, a prefeitura contratou uma Organização Não Governamental de Belo Horizonte, em Minas Gerais, chamada “Associação Servindo e Protegendo”. Aparentemente, é uma entidade regular de assistência social, cadastrada no CAGEC, SEDESE, CNEAS, CNAS, CMAS e no CMDCA, de Sabará e Belo Horizonte, municípios onde tem dois projetos apresentados, nenhum deles aprovados ou contratados, sendo o contrato “de cooperação” com a Prefeitura de Teresópolis o único até então efetivado pela associação civil, que é de direito privado, um ONG, como se coloca em seu site, “de caráter beneficente e de fins não econômicos, de educação, cultura, assistência social, saúde, pesquisa religiosa e desporto”. Essa ASSEP, como a própria informa, tem como objetivo o exercício da cidadania, por meio de valores e princípios cristãos, contribuindo na manutenção e execução de projetos e programas sociais de apoio à família, crianças e adolescentes, idosos e pessoas com necessidades especiais, garantindo a dignidade, o respeito, a liberdade, e a convivência familiar e comunitária, promovendo cursos gratuitos voltado ao desenvolvimento social e protagonismo individual, crescimento cognitivo entre outros benefícios individuais e coletivos, nas áreas de Artes, Beleza, Esportes, Tecnologia, Reforço Escolar e Profissionalizantes”.
Com bastante boa vontade, bastante mesmo, porque se trata de um inusitado gasto de quase 10 milhões de reais de recursos públicos, até aí nada demais. O problema é que a contratação é suspeita sim. Não apenas pelo fato de Teresópolis ser o único cliente da Organização Não Governamental, mas pela forma como a contratação se deu: por dispensa de licitação, com agilidade incomum e contumazes atropelos processuais, além de outras situações sabidas e inconfessáveis, por enquanto.
O processo de contratação começa com a contratada oferecendo um projeto e ele é logo acolhido pela secretaria de Educação sem qualquer análise ou relatório, o que não é correto. Assinado em 2 de fevereiro deste ano, os cursos foram solicitados em 16 e 21 de dezembro do ano passado, sem antes passar pelo Controle Interno da Prefeitura. Os dois “processos de colaboração” foram empenhados no mesmo dia, configurando dois contratos diferentes com uma mesma empresa. Além disso, se referem a contratos parecidos, e com objeto semelhante, e foram autorizadas pelo prefeito em 29 de dezembro de 2021, demorando apenas cerca de um mês e meio para a compra ser concretizada.
Não fica claro, em momento algum, o real objetivo destas parcerias e qual a justificativa para a contratação do ponto de vista pedagógico já que, não se sabe de relatório, análise ou estudo neste sentido. Não se sabe se os materiais didáticos ou paradidáticos, tendo em vista os conceitos abstratos que apresenta nas descrições dos mesmos. Nem se tem uma justificativa para a opção da dispensa de concorrência, tendo em vista que, no final, o objetivo seria a compra dos livros editados pelo coaching Paulo Sérgio Vieira, que poderiam ser facilmente encontrados à venda no varejo, seja através de revendas ou mesmo no site oficial do projeto “Mini Mega Leitor”, do qual o palestrante é sócio.
Não há qualquer justificativa, cálculo comparativo ou relatório que justifique os valores cobrados na compra em valor de R$ 8.791.064,40, que será custeada com recursos próprios da Prefeitura, além de R$ 538.751,23 do repasse de royalties, dinheiro que poderia estar sendo usado para melhorar as estradas do interior, por exemplo, por onde os ônibus não passam com os alunos em dias de chuvas.
O DIÁRIO ouviu a secretaria de Educação, que enviou Nota Esclarecedora sobre o assunto. Veja no box.
NOTA DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO
Solicitada pelo DIÁRIO
- A principal diferença entre os termos de colaboração 002.02.2022 e o termo de colaboração 003.02.2022 é o cunho pedagógico-literário. O termo de colaboração número 002.02.2022, denominado MINI MEGA LEITOR, é um programa pedagógico que consiste em obras literárias voltada aos alunos do Pré I ao 5º ano, em que são abordados temas relevantes e orgânicos de cada idade destes anos de escolaridade supracitados.
- Mensalmente todos os alunos (cerca de 12 mil) receberão livros literários que abordam temas referentes à idade e que trabalham sentimentos, emoções e situações cotidianas atravessadas por esses alunos no convívio social, seja ele na escola ou fora dos muros. Além disso é oferecida uma capacitação aos professores, capacitação esta que é realizada por uma pedagoga do Instituto que tem o Termo firmado com o Município, e esta capacitação oferece exploração dos temas abordados, sugestão para abordar esses temas, além de proporcionar uma plataforma digital de acesso ao conteúdo. Os alunos poderão acessar também através de QRcodes e trilhas literárias de atividades.
- Com relação à proposta pedagógica do termo de colaboração 003.02.2022, em que trazemos a JORNADA SER, destacamos a iminente necessidade de trabalhar temas voltados para as emoções dos alunos, principalmente nesse momento pós pandemia.
- Sabemos das obrigações pedagógicas com relação ao “ler, escrever e fazer contas”, mas por entender o aluno, o cidadão, o ser humano em uma visão holística e sistêmica, a escola não pode mais se ater ao simples fato de “ler, escrever e fazer contas”. O PROJETO SER traz à baila importantes reflexões sobre comportamentos e emoções, tudo isso baseado em definições, inclusive da BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC).
- Dentro desta abordagem os alunos receberão o material de apoio recheado com atividades pedagógicas que abordarão temas inerentes a desafios e frustrações da idade. Além disso, este projeto é sustentado por uma tríade: aluno, educador e responsável, em que os três elementos são beneficiados direta e indiretamente, visto que o professor passa por uma formação acerca deste elemento da BNCC, o aluno recebe isto de um profissional que passou por formação continuada e atividades são feitas com seus responsáveis desenvolvidas no ambiente residencial dos nossos estudantes. Seja ele na formatação que for, na configuração que for, o aluno vai junto com os responsáveis ter um momento tão importante de realizar uma atividade.
- Não vivemos uma educação onde conseguimos separar o cognitivo do emocional, e diante do enorme desafio que vimos enfrentando nos últimos dois anos, obviamente nós temos um desafio central de recuperar déficits e lacunas relacionadas ao conteúdo escolar, mas não somente isso, visto que a pandemia mexeu com emoções, rotinas e isso também precisa ser olhado pela escola. Deixaram traumas emocionais e psicológicos de aulas remotas e mudanças de realidade.
- De fato o atendimento por cada um desses projetos acima citados totaliza 8 milhões e 300 mil reais. É importante frisar que cada um desses programas diretamente atingirá, no MINI MEGA LEITOR, 12 mil alunos e no JORNADA SER, 9 mil alunos, durante 10 meses letivos, com recebimento de material de formação continuada. O investimento per capta é de cerca de R$ 35,00 por curso para cada criança atendida. Podemos falar, ainda, no investimento indireto que as famílias perceberão nos seus lares.
- Até o momento não houve nenhum tipo de pagamento para o instituto ASSEP. Do ponto de vista orçamentário, o investimento será custeado dentro dos recursos financeiros e orçamentários destinados legalmente à educação.
- Gostaríamos de esclarecer à toda a população de Teresópolis que a palestra realizada pelo coach Paulo Vieira, no Ginásio Pedrão, não demandou nenhum tipo de investimento financeiro por parte do município, haja vista o oferecimento da mesma pelo Instituto ASSEP.
- Importante deixar claro que o coach Paulo Vieira não faz parte do quadro societário da empresa contratada. O termo de colaboração firmado é entre o Município de Teresópolis e o Instituto ASSEP, e eventuais parcerias deste Instituto com outros não englobam o termo em questão.
- Os materiais adquiridos estão em consonância com a BNCC, documento Federal norteador do ensino público no país.
- Não há participação de empresa parceira no projeto MINI MEGA LEITOR. O Instituto ASSEP iniciou a execução do projeto fornecendo palestras com a participação da Sara Braga e da Vivi, educadoras, escritoras e produtoras de conteúdo infantil. A semana pedagógica serviu para explanar para as equipes diretivas a proposta de acolhimento e de literatura que será oferecida para os nossos alunos.
- Foi adotada a dispensa de realização de chamamento público com base no artigo 30, inciso VI da Lei 13.019 de 2014, por se tratar de projeto educacional firmado por meio de parceria entre a administração pública e uma organização da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público.