Wanderley Peres
Na madrugada do dia 12 de janeiro de 2011, fui acordado por volta das 2h pelo telefone. Tinha chegado da praia no início da noite quando já chovia. Na verdade, já chovia há vários dias por aqueles dias, e estava sozinho e cansado da viagem quando fui à varanda conferir o céu clareado pelos relâmpagos, e os fortes estrondos dos continuados trovões. Lembrei a quem tinha me acordado que chuva de verão era assim mesmo, e observei que pela constância e volume, provavelmente uma ou outra barreira poderia cair aquela noite, até porque a terra estava encharcada pelos tantos dias de chuva que havia começado ainda no ano passado.
Voltei a dormir. Pelas 5h, depois de abrir o portão no manual, porque faltava energia, saí de carro para acompanhar a equipe do jornal em direção ao Campo Grande, que teria sido o epicentro da tragédia.
– Choveu mais para os lados da Posse. O rio subiu mais de três metros, e tem muita gente gritando lá. O dr. Antônio disse que várias casas foram levadas pela lama em Campo Grande, e perto de onde mora, na Fazenda da Paz, ele disse que viu até prédios destruídos, e o rio está numa altura nunca imaginada…
Não havia energia elétrica em diversos pontos da cidade, e clareando o dia já estávamos na frágil ponte do Imbuí, que corria o risco de cair, e onde parte daquela construção que havia em sua cabeceira já estava dentro do rio. Ali, nos esperava o repórter Marcello Medeiros, que colheu alguns depoimentos, um deles do empresário Rodney Turl, do supermercado Flor da Posse, completamente tomado pela avalanche. Também ali, nos vimos vitimados pela chuva ao ver passar pela gente, desesperado, o cinegrafista Ricardo Abreu, da Diário Tevê. Os pais dele moravam em Campo Grande, e ele tinha sabido que o bairro onde cresceu e morou por muito tempo “não existia mais”. Passando por alagamentos, e montanhas de barro e pedra, Ricabreu encontrou os pais vivos, e no caminho em busca deles foi registrando para O DIÁRIO a destruição que deixaria todos abismados tempo depois.
O restante do pessoal do jornal foi dando notícias de outros pontos da cidade, e soubemos que o interior também tinha sido atingido. O telefone celular não funcionava e os bairros estavam ilhados, e a alguns lugares não se chegava nem a pé. No fim do dia, e confirmadas as absurdas informações que íamos recebendo na redação do jornal, vimos então que não se tratava de uma chuva forte como tantas outras. Era uma tragédia o que havia ocorrido na madrugada daquele dia 12 de janeiro.A redação do DIÁRIO não era mais nossa. As principais agências de notícias do mundo, e as emissoras de rádio e tevê do país se misturavam no espaço que tínhamos na Travessa Portugal, onde, aos poucos, ficamos sabendo que a tragédia também não era só nossa, e tinha atingido desde Petrópolis até Bom Jardim, provocando ainda mais prejuízos e mortes em Nova Friburgo. Pasmados com o que souberam, os cientistas e comentaristas do tempo tentavam entender e, ao mesmo tempo, explicar o que tinha acontecido. Conforme os corpos iam sendo encontrados, os números da tragédia davam a ela dimensão extraordinária, e não se falava em outra coisa no mundo inteiro. Construídas debaixo de barrancos, ou nas margens dos cursos d’água, casas simples tinham desaparecido, como também sumiram na lama, ou foram também carregadas, imponentes construções em alvenaria, de famílias de classe média ou rica. As águas não pouparam ninguém, e todos que estavam em seu caminho sentiram a força indomável da natureza.Estávamos no olho do furacão quando a tragédia se abateu sobre Teresópolis e a região Serrana.
Foi um evento grandioso, e impactante. Mexeu com a gente, e afetou tanto que mudou as pessoas. Era como se tivéssemos vivendo num campo de guerra. Passado o choque inicial do evento, e com as pessoas se ajudando e se contentando, as esperanças se perdiam na morosidade de decisões que precisavam de respostas urgentes, quando o frágil governo municipal também se abateu. Enquanto as vítimas das chuvas foram se adaptando às dificuldades que passaram, e as coisas iam se arranjando, alguns políticos também procuraram se arranjar e uma nova tragédia, a política, que culminou com a cassação do prefeito, a morte do vice e a ascensão do presidente da Câmara ao cargo de prefeito.O arranjo político deu no que deu. No cargo, o vereador-prefeito se reelegeu porque o candidato mais votado não podia ser candidato, este assumindo depois graças a um arranjo na justiça e se reelegendo também em mais um arranjo, agonia que durou até 2018, quando ao ver que seria defenestrado do cargo arranjou um jeito de não ser cassado, abandonando a cadeira de prefeito.Esse desarranjo da política fez Teresópolis ser a última cidade a ver entregues as moradias para as vítimas das chuvas. E também, por conta dele, gente que não perdeu casa alguma arranjou jeito de ser contemplada e outro tanto de gente se beneficiou das filas de assistência, se fartando da generosa ajuda que chegava à cidade em quantidade.Respeito à natureza, amor ao próximo, empatia pela condição alheia, mudança de comportamento. Reverência ao passado para um entendimento melhor do presente… Onze anos depois daquele de 12 de janeiro de 2011, a data de hoje deve ser de reflexão sobre o que nos aconteceu.