Eita! Que coisa doida! Eu tomei conhecimento ao ler o Diário na quarta-feira, que existe um grupo de teresopolitanos com o desejo de reabrir a Calçada da Fama para o trânsito, um retrocesso imperdoável! Lembrei-me do urbanista Jaime Lerner, um gênio da arquitetura das cidades e inimigo dos automóveis. Eu tive o prazer de conhecê-lo em 2004, quando buscamos organizar uma campanha para que Denise Frossard fosse candidata à Prefeitura do Rio, um desejo que o político Marcello Alencar matou no nascedouro. Os partidos foram usados por ele.
Mas, o tema aqui hoje não é o Rio. É o automóvel – são os carros. Jaime Lerner, incansavelmente, pregou uma solução para as cidades sem os carros. Ele dizia: “A dependência desenfreada do carro é um perigo. O carro é um convidado para uma festa, que não quer mais sair, não quer mais ir embora. Ele bebe muito (consome combustíveis), tosse muito (polui), carrega poucas pessoas, e exige infraestrutura exagerada. O automóvel está afetando gravemente a qualidade de vida nas cidades”. E dizia mais: “O carro é o cigarro do futuro”.
Teresópolis é um exemplo à luz do dia. As ruas e calçadas da cidade estão tomadas pelos carros e recentemente pelas motos. Os congestionamentos são constantes e fazem a população perder tempo no trajeto entre as suas casas e outros locais da cidade. Não é uma estupidez ampliar o problema com a reabertura da Calçada da Fama, principalmente, com a desculpa esfarrapada de falta de cuidado com o espaço? Em 1989, criamos em Teresópolis o movimento de empresários a favor da cidade. Uma das propostas era fechar todo o centro da cidade para os automóveis. O ProCidade.
O uso intensivo dos automóveis e agora combinado com o uso indisciplinado de motos, numa guerra incessante por espaço, é uma agressão à saúde, à segurança e, portanto, à qualidade de vida. Os acidentes acontecem com mais frequência, as doenças respiratórias, o estresse, a irritação com o barulho e com os malucos que trafegam pelas ruas. Um risco aumentado com a decisão de se abrir a Calçada da Fama.
Em 2009, parte da Broadway, entre as ruas 42 e 47, foi fechada para automóveis e transformada em praça para pedestres. Houve uma redução de cerca de 40% nos ferimentos de pedestres, queda de 15% nos acidentes com veículos. O espaço criado para pessoas dobrou em tamanho. Houve melhora estética, segurança, economia local e permanência do público no local. Desde os anos 1970, políticas públicas fortes reverteram o predomínio do automóvel em Amsterdã. O uso de bicicletas foi estimulado com infraestrutura dedicada, calma no tráfego, vias segregadas etc. Hoje, uma parte expressiva dos deslocamentos urbanos é feita por bicicleta com grande rede de ciclovias, estacionamento de bicicletas e incentivo cultural. A segurança melhorou e a taxa de fatalidades caiu fortemente.
No Brasil, ainda há bastante resistência política e cultural a favor do automóvel: hábitos de uso, interesses econômicos da indústria, lobby do setor, mentalidade de que o carro é símbolo de status. Por isso, somos um país atrasadíssimo como centro de mobilidade urbana inteligente. Teresópolis poderia ser um exemplo na direção oposta, mesmo sendo uma cidade situada, boa parte dela, nos morros. Poderíamos começar pelo centro.
Rever o papel do automóvel; limitar circulação em algumas áreas centrais; ampliar zonas de baixa emissão; tarifar estacionamento com preços elevados e incentivo ao transporte coletivo de alta qualidade. Remover carros de ruas emblemáticas ou de grande circulação de pedestres: transformar praças, ampliar calçadas, recuperar o espaço urbano para as pessoas.
Como consequência será possível construir calçadas amplas, seguras, acessíveis; ciclovias seguras, interconectadas, com estacionamentos de bicicleta. Praças e espaços públicos sem carro. Passa da hora de a prefeitura oferecer nas escolas sob sua direção, aulas sobre mobilidade sustentável, saúde e ar limpo, para, que se consiga envolver a população no debate para um planejamento urbano melhor, que amplie o uso de ruas compartilhadas, vias de pedestres, zonas livres de veículos.
O automóvel, tratado como protagonista absoluto, está colocando em risco a sustentabilidade urbana, a saúde pública, o espaço social e a qualidade de vida. É possível — e imperativo — propor, construir e adotar alternativas. Cidades como Nova York (com a transformação da Times Square) e Amsterdã mostram que a mudança é viável, benéfica e urgente. Não se deve esperar por soluções perfeitas: precisamos experimentar, errar, ajustar, inovar. É no compromisso com a simplicidade, com a imperfeição e com a ação que reside o futuro de cidades humanas, acessíveis, justas e saudáveis.