A apropriação de outra cultura sempre foi prejudicial a uma sociedade. Os Hicsos, por exemplo, quando estavam se estabelecendo diplomaticamente, no suntuoso Império Egípcio, conseguiram seu espaço sem grandes interferências. Todavia, no momento que perceberam que eram mais preparados belicamente (os mesmos já usavam cavalos e bigas em guerra, os egípcios só conheciam infantaria a pé), tomaram o poder dos nativos. Entretanto, passados 220 anos, os Hicsos perderam sua hegemonia e caíram. Um dos fatores preponderante citados pelos historiadores para essa derrocada dos hicsos, foi a apropriação que os mesmos fizeram da cultura egípcia. Quando um povo não tem identidade, absorve e se vulnerabiliza perante o outro.
Nosso Brasil ainda está a caminho de uma identidade. Em 1857, nascia o primeiro romance de temática nacional, "O Guarani", pelas mãos do escritor Jose de Alencar. Passados 357 anos após seu descobrimento, nossa terra ainda vivia de relatos da Europa e as artimanhas de suas cortes.
Parece que a guinada foi dada e o tão sonhado "progresso" gravado na bandeira, havia dado seu pontapé inicial. Infelizmente eram apenas divagações de um sonâmbulo, vide o que experimentamos hoje.
Consumimos desenfreadamente o que é produzido fora de nosso país e elevamos essas culturas ao nível de verdades absolutas. No ressoar do pragmatismo anunciamos: "Funciona lá, então funciona aqui também".
Empurra-se goela abaixo uma cultura "d'além mar" que é proclamada como "elevadíssima", pois vem de berços de ouro, enquanto o nossa é miserável, construída de bambu, portanto, não deve ser levado em conta.
Não é novidade para ninguém que sempre que acontece um debate sobre alguma exposição, há uma consideração esnobe de uma cria tupiniquim dizendo: "Quando fui em Paris...na exposição...as pessoas se portaram completamente diferente..., mas lá é Europa né!" Sim, lá é Europa e aqui é o Brasil que te deu abrigo e guarida para nascer e crescer.
Sofremos com o mal da grama mais verde do vizinho. Tudo dos outros é melhor que o nosso. Parece que nossa cultura será eternamente refém dos olhares das outras, e, se encontrará em ampla desvantagem.
Sabiamente Nelson Rodrigues diagnosticou e nomeou o nosso complexo: “Por "complexo de vira-lata" entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima. ”
Um olhar crítico acerca das culturas que são importadas e as que dialogam com a nossa, nos fará perceber que há muito poderíamos não ser mais reféns do eurocentrismo e nem mesmo do americancentrismo, e assim, respirarmos e produzirmos muita mais arte de qualidade ao imergimos na expansão das nossas terras.
Pode ser que a Europa careça hoje de um Renascimento tal como no passado, e, que os americanos precisem rever a sua produção cultural e porque não dizer cultual, a maneira Disneylandia, pois está evidente que por lá há um povo que confundiu cultura com entretenimento.
Não há produção na atualidade que chegue para ficar. As gerações futuras poderão olhar para nossa como uma nota de rodapé. Tal como as civilizações que colapsaram e apenas nos dão uma ideia de quem foram e como viveram. Produz-se para entreter, não para confrontar, fazer pensar e construir o individuo, a partir de então.
Acreditemos que temos “pedigree” para produzir uma cultura que perpetue, alimente, fomente vida, faça crescer e desenvolver indivíduos e que, portanto, a ideia do vira-latismo fora ensinada em nossas iniciativas culturais, pois perceberam o potencial dinâmico, criativo e de alta qualidade de nosso povo. Não é sem razão que sucateiam as nossas culturas locais, pois sabem que um povo que mantém e vive sua identidade, não consegue ser manobrado política, econômica e socialmente.